Evidências IV: a GNR

Continuando a análise que vimos fazendo ao designado ‘caso de Tancos’, procurando realçar evidências de comportamentos, atos ou omissões dos diversos intervenientes, tratamos hoje da Guarda Nacional Republicana. A GNR é uma força policial de natureza militar, que tem competências na área da investigação criminal. Entre nós, essa investigação é enquadrada pela Lei Orgânica da…

Continuando a análise que vimos fazendo ao designado ‘caso de Tancos’, procurando realçar evidências de comportamentos, atos ou omissões dos diversos intervenientes, tratamos hoje da Guarda Nacional Republicana.

A GNR é uma força policial de natureza militar, que tem competências na área da investigação criminal.

Entre nós, essa investigação é enquadrada pela Lei Orgânica da Investigação Criminal (Lei nº 49/2008, de 27 de Agosto).

Em termos muito simples, claros e objetivos, o processo deve desenvolver-se do seguinte modo:

– Na ocorrência de uma situação criminal, após a tomada imediata da ocorrência pela força policial territorialmente competente, a participação da mesma deve ser encaminhada, pelos canais próprios, para um procurador da República;

– Este magistrado do Ministério Público passa a ser o único detentor do processo de investigação. É ele quem determina o modo e o processo adequados, e atribui competências a um órgão de investigação criminal – para, enquanto órgão operacional e técnico, conduzir as ações investigatórias, mas (sempre) sob a direção e orientação do magistrado em causa.

Assim sendo, é no mínimo incompreensível que, segundo lemos, a Direção de Investigação Criminal da GNR tenha intervindo neste caso por solicitação direta da Polícia Judiciária Militar, sem conhecimento do(s) magistrado(s) a quem competia a direção e a tomada de decisões sobre o caso.

Acresce toda uma nebulosa de ‘territórios’ que são injustificáveis e erróneos. 

Uma ação direta de militares da GNR de baixa patente, executada a quilómetros de distância da sua sede – e mediante requisição direta da PJ militar -, não pode deixar de gerar suspeitas e incompreensão.

Para além do mencionado, impera sobre a GNR o mais completo silêncio e encobrimento.

O que se passou é muito grave e não está dentro do comportamento habitual da Guarda Nacional Republicana.

A Comissão Parlamentar de Inquérito também se deve debruçar sobre esta questão, para apurar, recomendar e/ou propor clarificações que se revelem necessárias.

Em minha opinião, não devem deixar de ser inquiridos, para além do general comandante geral, o comandante operacional e o coronel diretor do Serviço de Investigação Criminal.

No interesse do país, um dos principais objetivos da Comissão será extrair do que se passou as devidas lições, e atuar no interior da Assembleia da República de forma a não permitir que este triste espetáculo volte a repetir-se.

Importa, assim, rever a Lei da Investigação Criminal de forma clara, objetiva e sem atuação dos tradicionais lobbies corporativos, dotando o país de um instrumento eficaz na procura dos responsáveis pelos crimes, sejam eles quem forem, e que possibilite apresentá-los rapidamente à Justiça, que também de forma célere deve julgar e punir.

Por idênticas razões, deve igualmente ser analisada e revista a Lei de Segurança Interna (Lei nº 53/2008, de 29 de Setembro) – para o que sugerimos a audição dos ex-secretários-gerais Mário Mendes e Antero Luís, que, pelo seu conhecimento e experiência, muito podem contribuir para melhorar o ‘estado da arte’.

A segurança é cada vez mais importante e sentida pelos cidadãos, mas envolve um conjunto de atividades policiais e judiciárias que devem ser desempenhadas num ambiente transparente, rigoroso, respeitador da lei e dos princípios essenciais da vida em sociedade, porque se tal não acontecer teremos terreno fácil para a anarquia, para o populismo e para o aparecimento dos ‘salvadores da Pátria’.

Neste caso concreto, a Guarda Nacional Republicana não fez juz ao seu lema ‘Pela Lei e pela Grei’ e não atuou como uma força de segurança humana, próxima e de confiança.

Em Nome da Verdade é, portanto, essencial que a Comissão Parlamentar de Inquérito se debruce, clara e objectivamente, sobre os factos, e proceda à sua análise detalhada — de modo a poder ir mais longe e agir em conformidade com as lacunas identificadas. Pois esta tragédia teve o condão de permitir que todos as pudéssemos observar. 

Nota – No próximo número – e para encerrar por agora as ‘evidências’ – abordaremos a Polícia Judiciária Militar.

 

*Major-General Reformado