Problemas no edifício da PJ estiveram na origem de pelo menos três denúncias

Os problemas no edifício sede da PJ  continuam, passados cinco anos, sem resolução e estão a ser investigados pelo DIAP de Lisboa. O SOL revela as denúncias que deram origem ao inquérito-crime.

Quando o edifício da Polícia Judiciária foi inaugurado, em 2014, não tinha as plantas finais, os materiais das cadeiras do auditório não eram os que estavam contratualizados, os vidros à prova de bala não eram os adequados, não havia sinalética de emergência, os aparelhos de ar condicionado não podiam ser alvo de manutenção em algumas salas e o heliporto não reunia condições de segurança – qualquer derrame de combustível escorreria pelas paredes exteriores do prédio. Ao que o SOL apurou, foram estes problemas – alguns deles detetados logo durante a construção – que deram origem a pelo menos três denuncias, em momentos diferentes e a entidades diferentes.

A primeira denúncia, em que se referiam algumas irregularidades, terá sido entregue ainda antes do edifício sede da PJ estar concluído; a segunda foi enviada em 2014 para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal e já dava conta de irregularidades na obra, que nesse ano viria a ser entregue provisoriamente ao Estado; a terceira denúncia acontece só em 2017. Perante a aparente inação das autoridades, nesse ano terá sido enviada para o Tribunal Central de Instrução Criminal, ao cuidado do juiz Carlos Alexandre, uma nova denúncia anónima que continha lá dentro as duas anteriores. Esse documento acabou por ser encaminhado para a Procuradoria-Geral da República, que entretanto já confirmou ao SOL_que o caso está a ser investigado pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa e que ainda não existem arguidos.

«Ao abrigo do disposto no art.º 86.º, n.º 13, alínea b) do Código de Processo Penal, confirma-se a existência de um inquérito, dirigido pelo Ministério Público do DIAP de Lisboa. Encontra-se em investigação, estando sujeito a segredo de justiça e não tem arguidos constituídos», assegurou. O SOL sabe que em causa estão suspeitas do crime de burla ao Estado e gestão danosa.

Contactado pelo SOL, o Ministério da Justiça afirma que as plantas fizeram parte da entrega provisória, admitindo, porém, que tinham incorreções: «As telas finais foram entregues pelo empreiteiro, que foi também responsável pelo projeto. As incorreções foram objeto de pedido de correção onde necessário».

Contrariamente ao que consta nas denúncias que deram origem ao inquérito-crime, o gabinete de Van Dunem diz ainda que os vidros à prova de bala usados estão de acordo com o que constava no caderno de encargos. Quando às fissuras, apesar de assumir que existem, o Ministério desvaloriza: «As fendas que surgiram não são significativas, existindo um parecer do projetista de estruturas a esclarecer que as fendas são normais e decorrem do carregamento da estrutura».

Quanto ao relatório que o IGFEJ_encomendou ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), o Ministério da Justiça não dá grandes detalhes, invocando sigilo. «O LNEC elaborou um relatório cujo teor é confidencial, e como já referido em resposta anterior, que passamos a repetir: As conclusões da auditoria estão em análise quanto ao diagnóstico da natureza das deficiências e forma técnica de as resolver, mantendo-se entretanto o entendimento de que as responsabilidade que se vierem a apurar são do empreiteiro, também fornecedor do projeto visto tratar-se de conceção-construção», refere a resposta enviada.

O IGFEJ, dono da obra, diz que está disponível para entregar este relatório e outros documentos ao MP desde «que este entenda solicitar».

 

Os problemas continuam

Várias fontes da PJ confirmaram ao SOL os problemas que têm surgido nos últimos anos, como a necessidade de prender portões com cadeados de mota, fissuras algumas já a rondar espessuras preocupantes, a degradação exterior das condutas do laboratório, que são apenas tubos no exterior, uma vez que não estão ligados no interior a local onde virá a ficar o novo laboratório, e ainda uma parede do edifício antigo que não foi sequer rebocada.

Apesar de estes problemas causarem um mal estar na PJ, o SOL sabe que no Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça há várias pessoas que não concordam com a forma como este processo foi conduzido._Dizem mesmo não compreender como não se responsabilizou a Opway por vários erros e desconformidades face ao caderno de encargos.

Sobre as plantas, uma arquiteta que preferiu não ser identificada explicou ao SOL que «quando é feita a receção provisória têm de existir telas finais»: «Nenhum dono de obra faz uma receção sem telas finais. E em termos de licença de utilização, se tiver de ter, tem de ser entregue à câmara. Mas o cliente tem sempre de ter telas finais para conhecer a obra executada, para saber o que está a receber». A especialista diz ainda que, depois, se houver alterações, é normal que sejam feitas retificações, o que, ao que o SOL apurou, não é o caso.

Sobre os materiais que foram substituídos por equivalentes – como cadeiras de auditório ou vidros à prova de bala –, tal como afirmam as denúncias, o edifício ficou a perder. E se é certo que, por um lado, o empreiteiro blindou o contrato ao dizer que poderia colocar equivalentes, por outro, o MP pretende agora perceber se o Estado foi lesado e/ou se o IGFEJ, enquanto dono da obra, poderia ter tomado uma posição.

O Ministério da Justiça garantiu na semana passada que a obra ainda não foi formalmente entregue e que «as desconformidades são da inteira responsabilidade do empreiteiro, as quais já foram reclamadas».

 

Quem fez a obra e quem a fiscalizou? 

A nova sede da PJ foi construída pela Opway. A construtora do grupo GES ganhou o concurso, ao qual foram também a HCI, a Mota Engil e a Somague. A construtora que pertenceu ao Grupo Espírito Santo e passou por um processo de insolvência foi há pouco tempo comprada pela Nacala holdings, de que é maior acionista o empresário Gilberto Rodrigues.

Segundo o site da empresa, que passou por algumas dificuldades nos últimos anos, a sua criação remonta a 2008, quando a OPCA adquiriu a SOPOL.  «A nova empresa assumiu a estratégia de consolidar o projeto de um grupo empresarial diversificado e internacionalizado, que procura a otimização da sua performance e retribuição do capital investido pelos acionistas. Entre as obras mais emblemáticas desenvolvidas após a fusão das duas empresas, contam-se o Edifício Municipal do Seixal, Edifício Parque Palácio no Estoril, Fórum Barreiro, Edifícios no Aeroporto de Beja, Variante Norte de Loulé, infraestruturas do desenvolvimento Hidroelétrico do Ribeiradio – Ermida, Subconcessão do Pinhal Interior, Data Center Covilhã – PT e Policia Judiciária de Lisboa», lê-se ainda.

Segundo o Jornal Económico noticiou, a construtora, que foi detida pelo GES, acumulou um passivo de 326 milhões de euros e uma dívida global de 142 milhões de euros à banca – com destaque para a Caixa Geral de Depósitos. O processo de revitalização da empresa durava já desde 2015 – um ano após a inauguração do edifício da PJ – e só foi concluído com a compra por parte do grupo Nacala holdings.

 Como o SOL já noticiou, esse processo de insolvência pode comprometer responsabilidades que venham a ser assacadas no âmbito dos problemas detetados no edifício da PJ.

E nem mesmo as garantias bancárias que são obrigatórias para este tipo de construções podem estar asseguradas._Dentro do IGFEJ são várias as teorias que circulam entre quem acompanha este dossiê mais de perto, não se sabendo ao certo qual é a correta: primeiro correu que havia garantias de tudo, depois que tais garantias haviam passado para o banco mau do BES e que restava ao IGFEJ colocar-se como credor e por fim circulou a teoria de que estavam todas no BES_bom, só que não tinham sido acionadas.

Mas o Ministério da Justiça diz estarem ativas e prontas a acionar. Esclarece ainda que a empresa Opway foi escolhida porque por exemplo em relação à HCI tinha um valor mais barato em 5 milhões de euros.

Já a fiscalização ficou a cargo da Proengel, empresa do grupo Lena, que, segundo as denúncias anónimas, não terá detetado muitas das incorreções. E que, segundo a tutela, ganhou «um procedimento concursal entre várias empresas da especialidade».