Caixa. Negócios ruinosos provocaram perdas de mais de mil milhões

Auditoria da EY aponta para análises de risco “insuficientes” e diz que administradores receberam bónus mesmo apresentando prejuízos.  

Perdas atrás de perdas: esta é uma das principais conclusões da auditoria da consultora EY à gestão da Caixa Geral de Depósitos entre 2000 e 2015, atravessando várias administrações do banco público. Ao todo, o documento a que o i teve acesso aponta para prejuízos na ordem dos 1029,9 milhões de euros num conjunto de 46 financiamentos, com as várias administrações a aprovarem créditos em que não foram dadas garantias suficientes, o que acabou por se traduzir em riscos considerados “elevados” ou “graves”. 

E os casos vão-se somando.  A Artlant representa a maior perda, ao ultrapassar os 211 milhões de euros. Também a Investifino (detida pelo empresário Manuel Fino) apresenta perdas superiores a 138 milhões, enquanto a Fundação Berardo conta com mais de 124 milhões e a AE Douro Litoral com 122,6 milhões de euros. Mas há muito mais. (ver quadro ao lado)  Aliás, o negócio que gerou imparidades de praticamente 100% foi a concessão de um crédito de 138,3 milhões de euros à Investifino, para a compra de ações da Cimpor e do BCP, dando como garantia títulos destas duas empresas. A desvalorização das ações e as dificuldades enfrentadas pela empresa de Manuel Fino obrigaram a reestruturar a dívida.

Outra atividade considerada ruinosa foi a aquisição de participação no BCP, com intervenção do Estado português, e que gerou perdas de 595 milhões de euros para a CGD, tendo em conta a elevada desvalorização das ações do banco. A EY identificou ainda perdas de 340 milhões de euros num negócio que remonta a 1999, com a venda de obrigações de cupão fixo detidas pelo banco em Espanha e Paris. 

Prémios mesmo com prejuízos

Mas os problemas não ficam por aqui. Os administradores da Caixa receberam “remuneração variável” e “voto de confiança” mesmo com resultados negativos. “Não foi obtida evidência dos princípios orientadores para a remuneração variável aplicada, concluindo-se que as decisões foram tomadas de forma avulsa. Mesmo perante resultados negativos foi decidido atribuir remuneração variável e emitido voto de confiança”, diz a auditoria a que o i teve acesso. 

O documento vai mais longe e afirma que “em nenhum momento foi identificada a atribuição de remunerações variáveis em forma de instrumento financeiro” que incentivassem a um equilíbrio entre capital e riscos, nem a implementação de cláusulas de clawback, que permitem vincular os gestores às decisões passadas. A EY diz no documento que estas medidas poderiam ter contribuído para um “processo de decisão de crédito mais sustentado e atento ao risco, tendo por referência as operações analisadas na presente auditoria”, permitindo ainda apurar responsabilidades “nas perdas significativas verificadas entre 2011 e 2015.”

A consultora revelou ainda que “o volume de imparidades da CGD evoluiu de 46,9% em 2013 para 58,1% em 2015” no setor da construção e imobiliário. Os restantes bancos todos apresentaram a situação inversa, reduzindo as imparidades na concessão de crédito às empresas deste segmento. 

Apurar responsabilidades 

O Ministério das Finanças já reagiu e quer que a administração da Caixa Geral de Depósitos tome “todas as diligências necessárias para apurar quaisquer responsabilidades” nos atos detetados pela auditoria da EY e “as medidas adequadas para a defesa da situação patrimonial” do banco, esclarece ao i. O ministério de Mário Centeno confirmou ainda que foram dadas instruções para que o relatório “fosse remetido ao Banco de Portugal e ao Mecanismo Único de Supervisão do Banco Central Europeu, bem como a outras autoridades judiciais, de inspeção, de supervisão ou em matéria tributária, caso os elementos do relatório se afigurassem relevantes para o exercício das suas atribuições”. 

Já Joana Amaral Dias, que denunciou estas perdas durante um espaço de comentário na CMTV, garantiu ao i que “estamos perante um crime de lesa–pátria. Estamos muito além da gestão danosa”. E face a estas perdas elevadas do banco público, a professora universitária diz que é necessário investigar “até às últimas consequências”. Joana Amaral Dias aponta também o dedo ao governo, acusando-o de “ter conhecimento de tudo e não fazer nada”. 

Esta questão também está a ser criticada pelos partidos de direita. Rui Rio acusou os partidos de esquerda de “hipocrisia” ao dizerem que “é preciso continuar a investigar” a gestão da Caixa, recordando que foram o Bloco de Esquerda, o PCP e o PS quem decidiu encerrar a comissão de inquérito ao banco público. Já o CDS pediu um debate sobre a auditoria para quinta-feira, com a presença de Mário Centeno.

 O certo é que, junto do PS e do PCP, a opinião é unânime: têm de ser apuradas as responsabilidades de ex-administrações da CGD. Para já, Faria de Oliveira foi o único ex-administrador do banco público a reagir, garantindo que nunca facilitou a concessão de créditos. “Nunca houve uma declaração de voto, mesmo da área de risco, em relação às decisões tomadas”, garantiu à RTP