CGD. Santos Ferreira e Vara sob fogo

Os desastres financeiros com os empréstimos à Artland, Invesfino, Finpro, Vale do Lobo e Berardo foram concedidos durante o mandato de Santos Ferreira e Armando Vara.

CGD. Santos Ferreira e Vara sob fogo

Aadministração de Carlos Ferreira e Armando Vara na Caixa Geral de Depósitos (CGD) é o principal alvo da auditoria da consultora EY à gestão do banco público entre 2000 a 2015. 

Santos Ferreira esteve aos comandos da Caixa entre 2005 e 2008, com Armando Vara, e, mais tarde, vão os dois para o BCP, onde exerceram um mandato entre 2008 e 2012, no rescaldo da ‘guerra acesa’ entre Jardim Gonçalves e o empresário Joe Berardo, que também está visado na lista de prejuízos divulgado pelo relatório a que o SOL teve acesso.
Em causa estão prejuízos na ordem dos 1029,9 milhões de euros, num conjunto de 46 financiamentos, com as várias administrações do banco público a aprovarem créditos em que não foram dadas garantias suficientes, o que acabou por se traduzir em riscos considerados «elevados» ou «graves» (ver quadros ao lado).

No entanto, foi a aposta da instituição financeira do BCP que representa o maior peso. Só com a instituição financeira agora liderada por Miguel Maya, o banco público perdeu 559 milhões de euros, tendo em conta a elevada desvalorização das ações do banco. 

Mas a ligação entre os dois bancos é antiga. O banco público entrou no BCP em março de 2000, altura em que a seguradora Mundial Confiança vendeu ao BCP a sua participação maioritária de 53,05% no Banco Pinto Sotto Mayor, mas, em troca, ficou com uma participação de 8,5% no capital do BCP. Já em 2001, a Mundial Confiança exerceu os direitos de subscrição no âmbito do aumento de capital, «sob orientações do conselho de administração da CGD», fixando o investimento para 1.009,6 milhões de euros. A totalidade das ações foi vendida pela seguradora ao banco estatal em 2001 e 2002 ao preço de custo, diz ainda a auditoria. 

Mas, entre 2002 e 2003, as ações do BCP registaram uma desvalorização (-67% em relação à cotação inicial na data de transação) e, nessa altura, a CGD optou por não acompanhar o aumento de capital no exercício de 2003, diluindo a sua participação em 2,39% e obtendo um ganho de 22 milhões de euros pela venda dos direitos de subscrição.

Já entre 2004 e 2006, foi seguida uma estratégia de desinvestimento com a alienação de 4,19% do capital do BCP, o que se traduziu em perdas de 366 milhões de euros. Nos anos seguintes, entre 2007 e 2009, os títulos do BCP chegaram a derrapar 70%. «A evolução da cotação das ações no BCP no mercado no período em análise foi muito desfavorável, valor por ação passou de 5,28 euros em 4 de abril de 2000 para 0,90 euros em 4 de julho de 2013», diz o documento. 

O atual CEO do BCP já reagiu ao relatório, dizendo que «não compete ao BCP fazer qualquer comentário relativamente a esse tema», afirmou Miguel Maya. Ainda assim, deixou uma garantia: «Não era preciso o relatório da Caixa para saber que o BCP passou um período difícil» – e considerou que não representa qualquer novidade que a instituição financeira «passou um período complexo e que esse período complexo faz parte do passado do banco». 

Outros créditos

Sob a liderança de Santos Ferreira, em 2007, foram aprovadas operações de financiamento da fábrica da La Seda de Barcelona, em Sines. Inicialmente, o banco púbico avançou com a entrada no capital em 5% mas chegou a 7,2%. No entanto, no ano seguinte, as perdas em bolsa, desencadeadas pela crise do subprime que começara no ano anterior, afetaram em cheio a La Seda Barcelona. O banco público acabou por ser obrigado a registar perdas efetivas de 53 milhões nas suas contas. 

Outra das situações apontadas foi a aquisição de uma participação na Vista Alegre Atlantis, em 2006, num processo de regularização de um crédito vencido. Mais uma vez, uma operação aprovada no mandato de Santos Ferreira. E, independentemente dos problemas financeiros da empresa, a Caixa foi acompanhando os vários aumentos de capital. A fatura para o banco público fixou-se em cerca de 16 milhões de euros.

Mais prejuízos

Mas os casos vão-se somando. A Artlant representa a maior perda, ao ultrapassar os 211 milhões de euros. Também a Investifino (detida pelo empresário Manuel Fino) apresenta perdas superiores a 138 milhões. O empréstimo foi concedido em 2005 para a compra de ações do BCP e da Cimpor. «Face à constante desvalorização das ações dada como garantia destas operações e face às dificuldades sentidas por parte da Investifino em fazer face aos seus compromissos com a CGD houve a necessidade de reestruturar a dívida», acrescentando ainda que «adicionalmente existiu um conjunto de falhas nos procedimentos internos do banco e de decisões dos órgãos de decisão que se traduziram num aumento grave de exposição da CGD ao risco», revela o relatório a que o SOL teve acesso.

Também sob o mandato de Santos Ferreira foi concedido, em 2007, um empréstimo de 114,1 milhões de euros à Finpro, uma sociedade de investimentos para infraestruturas que resultara de uma parceria entre o grupo Amorim e o Banif. Em 2015, a CGD reconhecera 35% como perdido. O fundo fez várias aquisições internacionais na área das infraestruturas e utilities, mas seguiria depois para liquidação.

Mas a lista de perdas continua. A Fundação Berardo conta com mais de 124 milhões e a a AE Douro Litoral com 122,6 milhões de euros. O empreendimento de Vale de Lobo, no Algarve, é outro dos calcanhares de Aquiles do banco público, já que surge não só na qualidade de acionista e financiador, em que Armando Vara aparece como rosto deste projeto turístico de luxo. No final de 2015, a Caixa contabilizava imparidades superiores a 50 milhões de euros. 

E os problemas não ficam por aqui. Os administradores da Caixa receberam «remuneração variável» e «voto de confiança» mesmo com resultados negativos. «Não foi obtida evidência dos princípios orientadores para a remuneração variável aplicada, concluindo-se que as decisões foram tomadas de forma avulsa. Mesmo perante resultados negativos foi decidido atribuir remuneração variável e emitido voto de confiança», diz a auditoria a que o SOL teve acesso.

O documento vai mais longe e afirma que «em nenhum momento foi identificada a atribuição de remunerações variáveis em forma de instrumento financeiro» que incentivassem a um equilíbrio entre capital e riscos, nem a implementação de cláusulas de clawback, que permitem vincular os gestores às decisões passadas. A EY diz no documento que estas medidas poderiam ter contribuído para um «processo de decisão de crédito mais sustentado e atento ao risco, tendo por referência as operações analisadas na presente auditoria», permitindo ainda apurar responsabilidades «nas perdas significativas verificadas entre 2011 e 2015».

A consultora revelou ainda que «o volume de imparidades da CGD evoluiu de 46,9% em 2013 para 58,1% em 2015» no setor da construção e imobiliário. Os restantes bancos todos apresentaram a situação inversa, reduzindo as imparidades na concessão de crédito às empresas deste segmento. 

Apesar destes números assombrosos, Teresa Leal Coelho garante que o documento que tem sido divulgado «é preliminar» e que a versão final «é manifestamente diferente», considerando ainda «lamentável como foi parar à praça pública». Já a consultora diz que só se responsabiliza por conclusões do relatório final da auditoria e, por isso, documentos como a versão preliminar «não devem ser considerados».