Associação abre guerra entre maçons e comunistas

A aposta da Associação dos Inválidos do Comércio no alojamento local, despejando idosos que viviam nos seu imóveis veio colocar esta IPSS debaixo dos holofotes. Mas não é a primeira vez nem será a última. O SOL explica como a associação tem vivido no meio de uma luta entre maçons e comunistas.

Há muito que a gestão da Associação Inválidos do Comércio está envolta em suspeitas e polémicas em várias matérias, sendo as mais recentes notícias – a colocação de imóveis destinados a idosos em alojamento local – apenas mais um dos capítulos. Antes dos alegados despejos de idosos e da aposta no arrendamento de apartamentos a turistas, promovida por Manuel Ferreira, ex-vice-presidente desta IPSS, que é militante do PCP e pai do eurodeputado João Ferreira, houve ajustes diretos duvidosos, da direção presidida por Vítor Damião, maçon aliado do PCP durante anos. Para entender o clima que se vive atualmente dentro desta IPSS é preciso perceber a sua história: quem manda e tem mandado, alternadamente ou numa espécie de coligação, ao longo de anos são pessoas ligadas à Maçonaria e ao Partido Comunista – com interesses muitas vezes opostos.

Desde que as denúncias de ajustes diretos irregulares contra Damião foram feitas por dois antigos membros da direção – também eles da maçonaria, colocando em causa a sua direção – a ala maçónica dividiu-se e a batalha entre as duas fações que daí nasceram chegou mesmo às mais altas instâncias do Grande Oriente Lusitano e da Justiça profana.

As denúncias foram feitas em 2012 – os denunciantes foram afastados -, sendo que nas eleições de 2013 Vítor Damião voltou a ganhar com Manuel Ferreira como seu vice. É neste mandato – em que maçons e comunistas estão no poder – que terá sido impulsionado o alojamento local. Em 2017, derrotado na Justiça no caso das denuncias e enfraquecido no seio da Maçonaria, a posição de Vítor Damião ficou mais frágil, tendo João Bernardino (PCP), que tem como vice-presidente Francisco Cavalheiro, ganho as eleições numa lista que não contava com maçons.

Agora, a cerca de dois anos das novas eleições, surgem novas denúncias, desta vez a visar a ala comunista, e com Vítor Damião a fazer acusações ao seu antigo número dois.

À TVI, que noticiou a aposta do seu ex-vice-presidente dos Inválidos do Comércio no alojamento local, Vítor Damião explicou «que quando reclamava [das opções de Manuel Ferreira] lhe diziam que nos negócios tinha de ser assim, tudo escondido». E disse ainda que entrou em cisão com o seu vice por causa das «decisões com o património e por nada poder fazer contra elas».

Manuel Ferreira é apontado como principal impulsionador da entrega de prédios inteiros a empresas para que fossem colocados no mercado do alojamento local, em alguns casos as sociedades tinham sido criadas pouco tempo antes.

O trabalho de Manuel Ferreira no mandato anterior foi desde o início elogiado pela atual direção, mas para Vítor Damião o que foi feito na sua presidência pelo seu vice foi «deplorável»: «É deplorável, defender-se uma coisa na rua, como o não aos despejos, e depois fazer uma coisa destas».

A cisão na maçonaria que deu força ao PCP

O ex-presidente que agora critica as opções da fação comunista foi o mesmo que no mandato anterior ao da entrada de Manuel Ferreira foi denunciado por adjudicar serviços a uma empresa do genro.

Foi em 2012 que Álvaro Ricardo Nunes e Pedro Canas Mendes – destituídos da direção – decidiram denunciar as irregularidades em assembleia-geral, no então Ministério da Solidariedade e da Segurança Social e posteriormente ao MP.

Como o jornal i revelou em 2013, a Inspeção do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social concluiu que a Associação dos Inválidos do Comércio terá adquirido serviços no valor de mais de 23 mil euros à Composor, empresa do familiar de Vítor Damião, o que se traduz numa «irregularidade».

Mais tarde, com a investigação do DIAP de Lisboa em curso – que tem em conta outras denúncias além da «irregularidade» detetada pela inspeção -, o caso saiu do mundo profano e entrou no universo da maçonaria. Isto, porque em maio de 2012, o presidente Vítor Damião difundiu um email entre os membros de várias lojas maçónicas acusando os outros dois maçons de vingança e revelando a identidade destes, bem como a loja a que pertenciam, neste caso a Liberdade.

A difusão das identidades dos irmãos, a loja a que pertencem – em violação pela Constituição do Grande Oriente Lusitano (GOL) – e as acusações de deslealdade feitas pelo presidente dos Inválidos do Comércio a Canas Mendes e a Ricardo Nunes levaram a uma reação da Loja Liberdade.

Essa queixa foi na altura direcionada para instância equivalente ao Ministério Público maçónico – o conservador-geral de justiça do GOL -, tendo entretanto sido arquivada.

Justiça profana confirma irregularidades

Mas em 2016 o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que nos anos anteriores tinham sido cometidas várias irregularidades na Associação dos Inválidos do Comércio, uma IPSS cuja gestão – ligada ao universo maçónico – foi alvo de diversas investigações.

Apesar de os antigos membros da direção que denunciaram a gestão de Damião terem perdido na primeira instância, a Relação de Lisboa considerou que o afastamento dos diretores – que foram até excluídos como sócios – foi, de facto, ilegal. O acórdão referia mesmo que se tratou que uma vingança por estes terem denunciado problemas de má gestão, nomeadamente uma adjudicação do serviço de 23 mil euros à Composor.

Canas Mendes e Ricardo Nunes acabaram, por isso, por voltar à associação como sócios, tendo concorrido com uma lista alternativa à de Damião em 2017, ano em que o PCP reforçado acabou por ganhar.

A direção em funções em 2013, presidida por Vítor Damião, chegou mesmo a mover um processo contra o jornal i por ter denunciado as conclusões do relatório da Inspeção do Ministério da Solidariedade e Segurança Social e outras notícias sobre a associação, tendo perdido em primeira instância – uma decisão que mais tarde viria a ser confirmada pela Relação de Lisboa.

A preparação para as próximas eleições

Ao SOL várias fontes do GOL garantem que entre os maçons já é conhecida a vontade da fação de Vítor Damião regressar à liderança da instituição – fundada a 10 de abril de 1929, que tem um dos maiores patrimónios imobiliários de Lisboa e que atualmente recebe do Estado mais de um milhão de euros anualmente. Algumas pessoas que lhe fizeram oposição nos últimos anos já terão mesmo sido sondadas para perceber se, na hipótese de um regresso nas próximas eleições, apoiariam a sua lista.

A divisão dos últimos anos entre os elementos que fazem parte do GOL fragilizou a posição da maçonaria dentro da associação e não é certo para já que até 2021 – se não houver eleições antecipadas – os maçons estejam todos alinhados para que possa existir uma lista forte.

 E há quem considere que só o aparecimento de novos protagonistas poderá fazer com que a maçonaria volte a ter uma posição de força numa instituição que fundou – a perda de domínio nestas instituições de solidariedade é sempre vista com alguma mágoa entre os maçons.

Do lado dos comunistas há agora uma preocupação com as próximas eleições e o desgaste que as notícias sobre a aposta no alojamento local possam causar.