Grammys. As mulheres e o rap; as recusas e os silêncios

Quando a academia reconheceu por fim o rap, a comunidade já tinha desistido dos prémios. Houve Cardi B, Drake e até Michelle Obama mas não houve Childish Gambino, para receber os prémios, nem Kendrick Lamar ou Ariana Grande. A quem interessam os Grammys?  

“Quando não levam para casa o maior prémio, o respeito da Academia, e o que o Grammy representa, a comunidade [do rap] continua a dar pouca importância, o que é triste”, justificava o produtor dos prémios, Ken Ehrlich, ao New York Times para as recusas de Kendrick Lamar, Drake e Childish Gambino, três dos principais nomeados, em atuar na cerimónia deste ano. 

O primeiro perdeu os principais prémios para Bruno Mars em 2018 e voltou a zeros deste ano, sem sequer assinar o livro de presenças. Drake já vencera três Grammy para Álbum, Canção e Performance, na categoria de rap. E este ano, ao repetir a vitória na Canção de Rap do Ano com “God’s Plan”, falou com o coração. “Já ganhaste se tens pessoas a cantar as tuas canções da primeira à última palavra, se és um herói na tua terra natal. Se há pessoas que têm trabalhos normais que saem para a chuva e para a neve investindo o seu coração e o seu dinheiro para comprar bilhetes para os teus concertos não precisas disto aqui”. Nem a vitória calou o canadiano. Terá a produção silenciado o final de discurso? O som foi cortado e a transmissão seguiu para um bloco publicitário. “Os produtores pensaram que ele tinha terminado e seguiram para intervalo”, declarou a organização em comunicado.

Em 2019, os Grammy ouviram os coros de protesto, ligaram ao livro de reclamações e reagiram. Demasiado tarde? Alicia Keys, uma afro-americana de corpo e alma, apresentou os prémios sem maquilhagem. Cardi B foi a primeira mulher a vencer o Melhor Álbum Rap com “Invasion of Privacy”. “Os meus nervos são tão maus… se calhar tenho que começar a fumar erva”, gracejou. A rapper “dividiu” o prémio com Mac Miller, vítima de overdose aos 26 anos em 2018.

A dedicatória não conteve a revolta de Ariana Grande, ex-namorada de Mac Miller a quem dedicou o single “Thank U Next”, entretanto ampliado para álbum, editado na sexta-feira passada. Mal a vitória de Cardi B foi anunciada, a reação foi emotiva. “Lixo”, “foda-se” e literalmente, uma porcaria”, escreveu em publicações entretanto apagadas. Quando um seguidor, classificou Cardi B de “lixo”,a cantora pop fez questão de explicar que as reações não eram contra a rapper. 

Ariana Grande até venceu o Grammy de Álbum Pop mas do que se fala é da vontade em atuar, transformada em rejeição. À Associated Press, Ken Ehrlich usou o argumento da falta de tempo para explicar a ausência da cantora. Para Ariana Grande, não foi bem assim. “Tenho estado calada mas está a mentir em relação a mim”, respondeu no Twitter. “Posso ter uma atuação pronta numa noite e tu sabes, Ken”, justificou. “Foi quando a minha criatividade e liberdade de expressão foram asfixiadas por ti que decidi não participar”, acusou.  

Na base da desistência esteve o single “7 Rings”. Os produtores recusaram e a cantora sentiu-se insultada perante a imposição de interpretar um medley escolhido pela produção, revelou a revista Variety. 

Um silêncio ensurdecedor como o de Childish Gambino, vencedor dos Grammy de Canção do Ano, Gravação do Ano e Melhor Vídeo com “This Is America”. De Donald Glover não se leu nem ouviu uma palavra. Haverá forma mais ruídosa de desvalorizar um prémio?

A academia queria ficar bem na fotografia do Instagram? Michelle Obama salvou-a no discurso de abertura. “A música ajuda-nos a partilhar quem somos, a nossa dignidade e as nossas tristezas, as nossas esperanças e as nossas alegrias. Permite-nos ouvirmo-nos uns aos outros, convidarmo-nos uns aos outros para entrar. A música mostra que tudo importa, cada história presente em cada voz, cada nota de cada canção”.  Só que a história destes Grammys está muito para além de 10 de novembro no Staples Center de Los Angeles.