Por detrás da cortina

A instrução primária num tempo em que havia dois papões em Portugal: a PIDE e ‘os grandes’. Mesmo as crianças sabiam que, em cada esquina, poderia estar um informador. Já ‘os grandes’ era a sigla usada para definir uma entidade difusa, onde estavam os ricos e os poderosos. Não os titulares de cargos públicos, mas…

A instrução primária num tempo em que havia dois papões em Portugal: a PIDE e ‘os grandes’. Mesmo as crianças sabiam que, em cada esquina, poderia estar um informador. Já ‘os grandes’ era a sigla usada para definir uma entidade difusa, onde estavam os ricos e os poderosos. Não os titulares de cargos públicos, mas os que, na sombra, puxavam os cordelinhos.

Fez-se a revolução, Portugal sonhou com uma sociedade sem lugar para poderes ocultos, mas os tempos de encantamento foram breves. Cedo os partidos criaram redes de manobradores, e voltou a ser preciso ‘dar uma palavrinha’… para as coisas acontecerem.

Os ‘facilitadores’ instalaram circuitos paralelos que ‘dão a volta’ à ineficiência dos serviços públicos. Sucedem-se os Simplex, mas o acesso a quem decide está cada vez mais… complex. Declara-se guerra à corrupção, mas esquece-se que, antes dela, está a burocracia, que é o seu principal alimento. Das autarquias ao futebol, dos negócios à administração da justiça, tudo parece pré-ajustado nos bastidores. Fala-se em jogadas e negociatas, crescem teres e haveres, para os quais não se vê explicação legítima, mas ninguém parece incomodar-se com isso.

A doença banalizou-se a ponto de o tráfico de influências se ter tornado ‘moeda com curso legal’. Da província à capital, da esquerda à direita, uma espessa cortina encobre a tenebrosa malha da informalidade, que alastra como mancha de óleo. Para o vulgo, há que dançar conforme a música; quem não quiser dançar… está fora do baile.

Discute-se a composição do Conselho Superior do Ministério Público, e o sindicato vem a terreiro clamar contra a ‘tentativa de captura da justiça pela política’. Não há como esconder a evidência de que o modelo anterior falhou, a partir do momento em que a vaidade de alguns fez germinar protagonismos, impróprios num órgão que deve primar pela discrição e pelo rigor. Mas a corporação recusa reconhecê-lo. 

O sindicato dos magistrados do MP insiste em fazer crer que a composição do CSMP põe em risco a autonomia do MP, quando é manifesto que a essência do mal está nas ligações perigosas que multiplicam as fugas de informação e trouxeram a novidade dos arquivamentos a troco de dinheiro.

O mal está à vista, mas a corporação resiste à mudança e rejeitará qualquer fórmula diferente daquela em que se habituou a viver. Faz mal. Os eleitos são mais independentes e mais livres que os nomeados, e têm a grande vantagem da rotação, que poderá insuflar sangue novo num órgão inerte. 

A garantia de eficácia do CSMP está na abertura a ‘outros olhos’ e não na blindagem a tudo quanto possa representar escrutínio da atuação.

Não se contesta que, para o país, os magistrados são mais confiáveis do que os políticos. Mas o tema não é esse – o que está em causa é o risco da ingerência das ‘amizades particulares’ que se movimentam por detrás da cortina. E o que mais espanta é que, em defesa dos magistrados probos, o sindicato nunca tenha denunciado uma promiscuidade que é um segredo de polichinelo. Ou será que preferem continuar a ser todos suspeitos?