A contribuição do Eiffel na dualidade do ensino superior

Quando penso na linha ferroviária portuguesa, em pioneirismo e em inovação, a primeira pessoa que me vem à cabeça é Gustave Eiffel (1832-1923). Eiffel foi um herói francês conhecido pelo “O Mágico do Ferro”, por causa das enumeras estruturas em ferro que construiu um pouco por todo o mundo. 

Há vários anos que leio histórias e mitos sobre Eiffel, tanto pelas pontes que construiu (ou não) em Portugal como pela ligação que manteve às nossas tradições – consta que viveu em Barcelos, cerca de dois anos (1875-1877), de modo a acompanhar de perto a construção das pontes da Casa Eiffel. 

Recentemente, tive a oportunidade de orientar uma dissertação de Mestrado em Engenharia Civil sobre a vida e a obra de Gustave Eiffel, de forma a fazermos um reconhecimento de padrões estruturais das pontes construídas em Portugal. O trabalho permitiu concluir que a Casa Eiffel desenvolveu a sua atividade em Portugal nas décadas de 70, 80 e 90 do século XIX, tendo construído 27 pontes com vão superior a 20 m, localizadas a norte do rio Tejo e integradas nas várias linhas ferroviárias. Das pontes construídas, 85% já foram substituídas, três ainda se encontram em serviço, nomeadamente a Ponte da Praia que foi reafectada à rodovia, a Ponte de Viana do Castelo na Linha do Minho e a Ponte do Alviela na Linha do Norte. A Ponte Maria Pia está atualmente desativada, existindo, todavia, projetos para o seu reaproveitamento num contexto de mobilidade urbana. Curioso que apesar de possuir uma formação superior na área da química, Eiffel tinha o hábito de assinar os projetos como Engenheiro-construtor. Internacionalmente, a Torre Eiffel em Paris é a sua obra mais famosa e a estrutura metálica interna da Estátua da Liberdade é a menos “reconhecida”.  

Para além da obra construída, Gustave Eiffel caracterizou-se como um grande gestor e um inovador insaciável. Por exemplo, ele aperfeiçoou a técnica de construção de fundações de pilares através de caixões de ar comprimido. Em todo o trabalho do Eiffel havia uma paixão pelas ciências aplicadas e pela aprendizagem acerca do mundo, de forma a tornar o conhecimento em realizações inovadoras capazes de tornar as nossas vidas melhores e mais simples. De tal forma que, após o escândalo na construção do Canal do Panamá, Eiffel nunca mais construiu pontes, mas terminou a sua carreira como cientista, a estudar e a fazer experiências sobre assuntos relacionados com aerodinâmica.

Contudo, há uma lição por revelar acerca da formação do Gustave. Em 1850, com cerca de 18 anos, foi estudar dois anos para o Collège Sainte-Barbe in Paris, de forma a obter o certificado necessário para entrar na prestigiada École Polytechinique. Contudo, durante esses dois anos, os examinadores concluíram que ele deveria ir para a École Centrale des Arts et Manufactures, vista como sendo mais vocacional do que a Polytechnique. Assim, em vez de estudar matemática e ciência pura, Gustave Eiffel decidiu estudar na igualmente admirável e mais liberal École Centrale, onde teve uma formação mais técnica, mais abrangente e menos especializada. 

Conclusão. Teria havido Gustave Eiffel sem um ensino superior dual em França, onde os alunos eram orientados para subsistemas de ensino diferenciados (fundamental e vocacional) em função das valências de aprendizagem de cada aluno? Ou, caso Eiffel fosse para a École Polytechinique, será que não foi privada a carreira de um consagrado professor universitário na história francesa? Nunca poderemos responder a ambas as questões. 

Portanto, a história mostra-nos que o ensino vocacional foi capaz de formar um dos maiores engenheiros-construtores na história mundial e reforça-nos a importância de mantermos em Portugal um ensino superior dual, composto por dois subsistemas distintos: universidades mais orientadas para um ensino teórico e politécnicos mais orientados para a prática.

Esta lição é de extrema importante numa época em que assistimos a mais uma reforma no regime jurídico dos graus e diplomas de ensino superior em Portugal, através da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 65/2018 de 16 de agosto. Esta pequena reforma pretendeu estimular a diversificação do sistema de ensino superior e as atividades de investigação e desenvolvimento (I&D), dando, por exemplo, mais autonomia aos politécnicos em matéria de formação superior de natureza profissionalizante baseadas em atividades de I&D. Em termos práticos, a grande alteração consistiu na habilitação de atribuição de doutoramentos por parte dos politécnicos. Embora a questão dos doutoramentos nos politécnicos me pareça uma medida positiva, com vantagens diretas de estímulo e incentivo aos seus docentes e investigadores, é também uma medida que se junta às muitas que têm sido tomadas nos últimos 15 anos e que têm ajudado a confundir os dois subsistemas. Não obstante, é também justo reconhecer o papel de  medidas tomadas a bem da diferenciação, tal como ocorreu com a implementação dos cursos de curta duração – cursos técnicos superiores profissionais (CTSP) – através do Decreto-Lei n.º 63/2016 de 13 de setembro. Os CTSP desempenham um papel importante de recrutamento de estudantes para o ensino superior politécnico, com formação profissionalizante, e com a vantagem direta de apoio às licenciaturas dos mesmos. 

Numa altura em que se começa a discutir, calmamente é certo, a alteração da designação de “Instituto Politécnico” para “Universidade de Ciências Aplicadas”, a história de Gustave Eiffel, com mais de 100 anos, só vem ajudar a reforçar a minha opinião de que devemos sobretudo apostar na diversificação da formação do ensino superior, em vez de tomarmos medidas apenas para ajudar a confundi-los. 

Elói Figueiredo
Professor Associado
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias