Segundo bebé-milagre já nasceu

Parto estava previsto para amanhã mas acabou por ser antecipado devido a complicações

Já nasceu Salvador, o filho da canoísta Catarina Sequeira que estava em morte cerebral desde o fim de dezembro. O parto estava previsto para sexta-feira, mas terá sido antecipado devido a algumas complicações.

O nascimento do bebé foi confirmado ao i pelo treinador de Catarina Sequeira, que acompanhava a jovem desde os 11 anos. Salvador “nasceu saudável”, contou José Cunha. "O Salvador nasceu às 4h32 de hoje [quinta-feira] e está internado no Serviço de Neonatologia do Centro Hospitalar Universitário São João (CHUSJ).", adiantou fonte do hospital, remetendo mais informações para uma conferência de imprensa marcada para as 12h30.

Em declarações ao i, o treinador de canoagem revelou que o óbito da jovem de 26 anos já foi declarado e o funeral, que estava previsto para a próxima semana, foi antecipado para esta sexta-feira. A cerimónia será realizada amanhã “às 14h30 na Igreja de Crestuma, em Vila Nova de Gaia”, de onde Catarina Sequeira era natural.

Recorde-se que a jovem estava grávida de 12 semanas quando uma crise de asma, doença da qual sofria desde pequena, a deixou num estado grave de saúde, tendo-lhe sido declarada a morte cerebral no fim do ano passado.

Quem lhe era próximo descreve-a como uma rapariga extrovertida, bem-disposta e persistente. Atleta de canoagem desde pequenina, Catarina deixou de competir em 2014 quando começou a trabalhar. “É comum os atletas saírem na juventude mas voltarem mais tarde. Costumava dizer-lhe ‘mais tarde ou mais cedo vais aparecer’", lembrava ontem José Cunha.

Como todos os amigos do Douro Canoa Clube, em Vila Nova de Gaia, o treinador contou ao i que ficou em choque ao saber, no último Natal, que a jovem não tinha resistido a uma crise de asma, doença diagnosticada em pequena mas que nunca a tinha limitado no desporto. “Houve uma altura em que a colega de tripulação dela era também asmática e chegámos a ter de ir ao centro de saúde mas com a Catarina não”.

Grávida de 12 semanas do primeiro filho, a despedida acabou por revelar sentimentos ambíguos: a equipa do Hospital S. João, para onde Catarina foi transferida e onde foi declarada a morte cerebral, um quadro irreversível, entendeu que havia condições para prolongar a gestação com a jovem em suporte artificial para permitir o nascimento do filho, decisão que teve o acordo da família materna e do pai. “Temos estado a apoiar a família dentro do que é possível em particular o irmão gémeo de Catarina que também foi nosso atleta”, explicava o treinador.

Até hoje só tinha havido um caso no país de gestação em morte cerebral. Lourenço Salvador ficou conhecido como ‘bebé-milagre’ depois de 107 dias de gestação com a mãe em suporte de vida, depois de uma hemorragia cerebral fatal.

Ontem a família de Catarina, que já fez saber que também quer chamar Salvador ao bebé, soube que o parto por cesariana tinha sido marcado para a manhã desta sexta-feira, sendo que iria despedir-se hoje da jovem, há 91 dias ligada às máquinas. “Tenho de homenagear a equipa médica por tudo e tenho de homenagear a minha filha como filha e é isso que estou a tentar fazer”, dizia ontem ao i a mãe de Catarina, antes de saber que o parto viria afinal a ser antecipado para esta madrugada.

O funeral da jovem, inicialmente marcado para a próxima semana, foi antecipado para amanhã. Para Maria de Fátima Branco este é um capítulo que precisa de fechar depois de ter chorado a morte da filha no dia 26 de dezembro. Catarina ficou inconsciente e foi socorrida por um irmão, tendo sido levada primeiro para o Hospital de Vila Nova de Gaia, de onde foi transferida para o S. João. O hospital não tem para já prestado informações sobre o caso. O processo envolve uma equipa multidisciplinar e é liderado pela médica Marina Moucho. É provável que haja um esclarecimento divulgado esta quinta-feira, na sequência do nascimento antecipado do bebé.

Quatro dezenas de casos no mundo

Há três anos, o caso de Lourenço Salvador mobilizou médicos e enfermeiros da Maternidade Alfredo da Costa e do Hospital de S. José, onde a mãe Sandra Pedro foi mantida ligada às máquinas durante quase quatro meses. O bebé viria ao mundo no dia 7 de junho de 2016, com o desenvolvimento a superar as perspetivas: nasceu rosado às 32 semanas, com 2350 gramas, mais forte do que muitos prematuros. Um momento ao mesmo tempo duro, relatou na altura a equipa. Depois do parto, foram desligadas as máquinas e o coração de Sandra deixou de bater. Lourenço viria a estar internado 29 dias, com o hospital a partilhar quase diariamente as suas conquistas. Aos 17 dias começou a conseguir agarrar a tetina do biberão e o peso foi sempre aumentando.

Gonçalo Cordeiro Ferreira, pediatra e presidente da comissão de ética do Centro Hospitalar Lisboa Central, que na altura deu luz verde à gestação, sublinha que estes são quadros raros e todos diferentes, para os quais não existem por isso muitas orientações. “Os 40 e poucos casos que existem a nível mundial  são todos diferentes uns dos outros. É preciso um grande investimento de conhecimento mas também emocional das equipas de cuidados intensivos e de obstetrícia”.

Com a mãe em morte cerebral – quando ocorre uma perda completa e irreversível das funções cerebrais – o suporte artificial de vida implica apoio respiratório mas também na manutenção de funções essenciais numa gravidez e que dependem da atividade cerebral como a regulação hormonal ou nutricional. “É preciso criar, através de medicação, um ambiente adequado para o que bebé cresça”.

Sem se pronunciar sobre o caso do S. João, Gonçalo Cordeiro Ferreira explica que perante um quadro desta natureza existe uma questão técnica e depois uma questão ética. “Só é possível discutir-se esta situação do ponto de vista ética se existe a possibilidade técnica de levar a gravidez até um momento em que seja possível fazer o parto”, diz o médico. Sendo possível, é preciso depois perceber o estado do bebé e todo o quadro envolvente. No caso de Lourenço, recorda o médico, os exames indicavam que o bebé não tinha sinais de sofrimento, não havia patologias no útero. “Tínhamos um bebé sem malformação ao que se juntava uma vontade expressa da mãe em ter aquele bebé”.

A literatura aponta para um desenvolvimento dentro da normalidade das crianças que nascem destas circunstâncias, mas mais uma vez cada caso é um caso. “O normal é uma situação muito alargada. A vida de um bebé destes nunca será completamente normal, à partida é um bebé que nasceu sem mãe, mas o seu desenvolvimento vai sempre depender de uma série de compensações que são dadas e o ser humano tem uma capacidade de resiliência e adaptação enorme”, conclui o médico.

*editado por Joana Ludovice de Andrade