Avençados de todo o mundo… uni-vos!

Portugal sofre de uma overdose de avençados, consultores, assessores e similares. São tantos e tão variados que me ocorreu pedir ajuda a Marx: «Avençados da nossa terra, organizem-se. Unam-se, criem uma Ordem!». Se já há tantas…!  O mal é tão velho como a nacionalidade. Egas Moniz, avençado de D. Afonso Henriques para as relações diplomáticas,…

Portugal sofre de uma overdose de avençados, consultores, assessores e similares. São tantos e tão variados que me ocorreu pedir ajuda a Marx: «Avençados da nossa terra, organizem-se. Unam-se, criem uma Ordem!». Se já há tantas…! 

O mal é tão velho como a nacionalidade. Egas Moniz, avençado de D. Afonso Henriques para as relações diplomáticas, iniciou uma tradição tão fecunda que a classe cresceu nas quatro dinastias, frutificou na República e no Estado Novo, e atingiu o apogeu na democracia, entrando no século XXI com ramificações que vão de Melgaço à ilha do Corvo. 

A revolução de Abril limpou muitos vícios, mas não erradicou doenças tão persistentes que se tornaram endémicas. Deixando de lado a compulsão de António Costa para distribuir cargos por familiares e amigos chegados, há que reconhecer sinais de modernização: o compadrio, o amiguismo e o nepotismo evoluíram para formas sofisticadas de clientelismo, que dão pelos nomes de ‘avencismo’, ‘consultismo’ e ‘assessorismo’, versões atualizadas do velho… ‘chupismo’. Caso para dizer, ‘a oeste, nada de novo’.

Quando abriram as torneiras dos fundos comunitários, esta terra de Santa Maria tornou-se um paraíso para os corretores de traficâncias, havendo-os para todas as estações e todos os gostos. Saíam do Governo, ou de outros lugares de poder, e era vê-los a correr para as empresas do PSI-20, em busca de uma sinecura… calma e bem remunerada. Para as empresas, tanto fazia: era mais um…; para os iniciados nos recibos verdes, ‘era o início de uma bela amizade’…

Dizem as más-línguas que o manejo dos fundos europeus fez refinar os skills da profissão. Enquanto governantes, era ‘toma lá o teu PEDIP’; quando autarcas, ‘está aqui um PIN, com golfe e tudo’. Deixado o cargo, ‘venham de lá as avenças, que eu sou doutorado em programas especiais. Quem, melhor do que eu, ou o meu filho, para deitar água benta em futuras candidaturas?’. Foi um desvario. Houve quem saltasse da classe das modestas vans, de 8 lugares, para a dos autocarros expresso, com 50 lugares, ou mais. 

Pus-me a pensar e… eureka! É preciso criar a Ordem dos Avençados, dos Consultores, ou dos Assessores, para promover os interesses da classe. É só escolher o nome que mais agrade a uma tribo a que o vulgo deu em chamar dos ‘influenciadores’, palavra que, traduzida à letra, significa… pontas de lança para a corrupção. 

Já para os próprios, ‘é tudo inveja, um mal tão nacional que até Camões escolheu a palavra para cunhar o final da última estrofe d’Os Lusíadas. Falta de iniciativa e de ambição… é o que é! Um mal que é responsável pelo atraso em que este pobre país se consome desde a Monarquia’.

Os Estatutos da Ordem tratarão de consagrar os saberes, as técnicas e as táticas da profissão, de anexar o código deontológico e abrir caminhos para a ampliação da rede de contactos. Depois, é só continuar a ser competente nas visitas a gabinetes ministeriais e nos almoços e jantares de negócios. É fácil, é barato e dá milhões.