Provedor tem ‘falta de pudor’, acusa PSD

Em causa está o arrendamento de uma casa à própria instituição com desconto. Questionado, o ministro do Trabalho respondeu ao SOL não dever interferir na gestão da Santa Casa.

O PSD considera que o arrendamento de um imóvel da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) por parte do provedor Edmundo Martinho é uma situação que denuncia «falta de bom senso e de pudor». O SOL revelou na última edição que Edmundo Martinho não só vive num T4 alugado à instituição, como ainda beneficia de um desconto de 10%, normalmente atribuído a colaboradores. O imóvel da Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, foi alugado a 1 de maio do ano passado e fica por um valor mensal de 1620 euros.

Numa pergunta enviada ao ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, os deputados Adão Silva e Clara Marques Mendes sublinham mesmo que em causa está  «uma situação incompreensível», dado tratar-se do arrendamento de «uma casa que pertence à entidade à qual [Edmundo Martinho] preside».

Os deputados questionam, por isso, se o ministro que tutela a área tem conhecimento do caso, se em causa está uma situação habitual, conforme disse a Santa Casa ao SOL, e o que vai fazer a tutela para por fim a estes benefícios.

Questionado na última quinta-feira pelo SOL, o Ministério disse não interferir nas competências de gestão da SCML: «O MTSSS considera já terem sido dadas pela SCML todas as explicações relativamente às perguntas colocadas. A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, enquanto pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública administrativa, goza de autonomia face ao Governo, cabendo à tutela, neste caso ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social  ‘a definição das orientações gerais de gestão e a fiscalização da atividade’ da instituição, tal como está refletido nos seus estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 235/2008, de 3 de dezembro». E concluiu dizendo que «a tutela não interfere assim nas competências de gestão da SCML, que, além de ter orçamento próprio e autonomia para definir as linhas estratégicas das diversas áreas onde atua, conta com órgãos próprios consultivos e de fiscalização».

 

Críticas à conduta do provedor

Na última semana, Paulo Morais, presidente da Frente Cívica, já tinha reagido, dizendo não ser «admissível que o provedor da Santa Casa da Misericórdia utilize como sua habitação um imóvel da Santa Casa da Misericórdia, sejam quais forem as condições. Muito menos quando além do mais ainda usufrui de um privilégio que é um desconto».

Dias depois, o presidente da Associação Transparência e Integridade, João Paulo Batalha, também criticou a situação. Ao jornal i, disse ser óbvia a existência de «um conflito de interesses sério e que devia ter sido evitado».

Tal como revelado na última edição, este e outros alegados benefícios têm gerado mal-estar entre funcionários da Santa Casa da Misericórdia. Outro dos casos é o de Maria da Luz Cabral, que entrou para a Santa Casa da Misericórdia em 2016, altura em que renunciou ao lugar que ocupava no Instituto da Segurança Social, no Porto, para rumar à Escola Superior de Saúde de Alcoitão, que pertence à Misericórdia.

Segundo documentos a que o SOL teve acesso, a professora rapidamente subiu a coordenadora – bastou um mês de casa.  E as despesas com deslocações ao estrangeiro são vistas por muitos como ‘excessivas’.  Maria da Luz Cabral também tem uma casa da Santa Casa, alugada com um desconto de 10%, e terá submetido só entre 2017 e 2018 àquela entidade despesas de deslocação que ascendem a 20 mil euros.

 

O que diz Edmundo Martinho

O provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa começou por assegurar ao SOL na semana passada que pagava uma renda ao valor de mercado, acabando por admitir o desconto de colaboradores: «Isso é um desconto de 10% de que todas as pessoas que aqui trabalham têm, não tenho nenhuma situação particular».

Uma posição idêntica à que foi enviada oficialmente pela Santa Casa: «Ao contrário do que é referido, os imóveis da Santa Casa são colocados para arrendamento ao preço de mercado, bastando consultar o site da instituição para obter a informação necessária quanto à disponibilidade de casas. Caso um colaborador da instituição, seja ele qual for, manifeste interesse em arrendar um desses imóveis, poderá fazê-lo nas condições de mercado, beneficiando de um desconto de 10 por cento». A instituição avançou mesmo com números: «Atualmente, entre motoristas, diretores, administrativos e outros colaboradores de diversas categorias profissionais, são quase trinta os funcionários da Santa Casa que têm contratos de arrendamento com a instituição, incluindo o provedor da instituição». 

 

A professora e amiga

Maria da Luz Cabral chegou como professora à Escola de Alcoitão no início de maio de 2016, para o Departamento de Política e Trabalho Social, e poucas semanas depois havia intenção de passar a coordenadora, na altura o então vice-provedor Edmundo Martinho, que há muitos anos que conhece Maria da Luz, como confirmou ao SOL, acompanhava de perto os assuntos da Escola de Alcoitão.

Mas, apesar de o Conselho de Gestão da escola ter deliberado concordar com «a sua ‘equiparação’ à categoria profissional de Técnico Superior Docente – Professor Coordenador», a mesma veio a revelar-se inviável por falta de requisitos legalmente exigíveis.

No despacho da Santa Casa referia-se ainda que a diferença salarial entre uma e outra categoria era de 163.69 euros – de 3437,34 euros para 3601,03 euros. A concluir, sugeria-se uma alternativa à intenção de dar à professora o salário correspondente ao de um coordenador: «Sem prejuízo do exposto, os coordenadores de departamento, sob proposta do conselho de gestão da ESSA, poderá ser atribuída uma remuneração específica ou acrescida pelo exercício dessas funções».

Ao SOL, o atual provedor esclareceu que não se seguiu esta solução e que a docente ficou a ganhar o mesmo que um professor adjunto, mas depois de ser confrontado com a redação do despacho, que continha a fundamentação de um parecer jurídico, admitiu que mais tarde foi atribuído um valor acrescido a Maria da Luz.

Já sobre o facto de em documentos internos estarem registados pagamentos de ‘viagens’ e estadas «pessoais», Edmundo Martinho afirmou que «na Santa Casa não se pagam viagens pessoais a ninguém», reforçando que «viagens pessoais no sentido de particulares é impossível que aconteçam».