O folhetim inglês

A saída do Reino Unido da União Europeia, com ou sem acordo, significará o início de uma nova fase de movimentos geoestratégicos

O caso do Brexit é normalmente tratado como uma telenovela na qual o enredo é tecido à volta dos traços de personalidade e dos afetos entre os personagens, sejam eles Juncker, May, Macron, Corbyn, Merkel, etc.

Há uns poucos que chegam mais longe na interpretação histórica concluindo que «os britânicos nunca estiveram verdadeiramente dentro da União», ou que «os ingleses estão sempre a tentar negociar uma maneira de estar fora e dentro da União Europeia (dentro para as coisas boas, fora para as coisas más)»…

Se tivessem lido Franco Nogueira nos livros Um Político Confessa-se e Juízo Final, não teriam perdido pelo menos 30 anos a cantar loas à participação britânica na União Europeia (UE).

Contrariamente ao que muitos pensam, a CEE-UE não nasceu como resultado de um ‘ideal europeu’ afirmativo e fundamentado. Ela foi autorizada a nascer, pela aliança vencedora anglo-americana, como um instrumento sinérgico da guerra-fria.

Com o colapso da URSS, à “europa ocidental” foi cometida a tarefa de engolir e digerir os países da Europa de leste, enquanto os EUA e o Reino Unido (RU) se cometiam a si próprios a tarefa de ‘partir a Rússia aos bocados’ e devorá-la, assim como aos países da Ásia Central ricos em recursos naturais.

Foi nesse quadro de ‘divisão de trabalhos’ que à UE foi autorizada a criação de uma moeda única com vista a obter sinergias financeiras para a absorção, sem regressões, da Europa de Leste. Mas quando esta UE, já ‘culta e adulta’, começou a pretender ‘saltar mais do que metro e meio’, isto é, a pretender ser um protagonista internacional, suportada por um Euro que se pretendia uma nova moeda internacional de trocas, designadamente nas transações de petróleo (Iraque, Líbia), os complexos político-financeiros de Wall Street (EUA) e da City (RU) lançaram várias operações com vista a inviabilizar qualquer pretensão europeia à escala internacional, entre as quais: a ‘crise’ de 2008, destinada a rebentar com o imberbe ‘sistema financeiro europeu-continental’; as guerras da Líbia e da Síria, e a invasão da UE com refugiados e terroristas do Médio Oriente e Norte de África; a ativação de frentes bélicas com a Rússia na Polónia/Bálticos, na Roménia/Bulgária e, especialmente, como eventuais detonadores futuros de conflitos em larga escala, o Kosovo e a Ucrânia.

A saída do RU da UE, com ou sem acordo, significará o início de uma nova fase de movimentos geoestratégicos com a atribuição, pela aliança anglo-americana, de novos papeis e funções para os diversos ‘atores’, a saber: a UE irá ser sacrificada e devastada no altar de uma confrontação bélica em larga escala com a Rússia, vindo a caber ao RU, nessa sequência, a tarefa de administrar em seu proveito o que restar do espaço europeu continental.

Em minha opinião, a UE deveria festejar a saída do cavalo de Troia Inglaterra e, ao mesmo tempo, promover a sua própria blindagem contra o papel de cordeiro no altar da guerra que lhe estão a preparar…

Poderão alguns leitores considerar esta minha leitura demasiado extravagante. No entanto, julgo que deverá ser considerada, para não sermos, outra vez, apanhados de surpresa…