É tão difícil assim?

‘É tão difícil assim pedir desculpa?’. Disparada sem aviso prévio, a pergunta só pode ter uma resposta: ‘Tem de ser’. Se não fosse, haveria muito mais gente a reconhecer o erro e pedir desculpa. A história dos países, das igrejas, dos governos, dos partidos, dos exércitos, dos tribunais, das empresas, dos jornais, das famílias… e…

‘É tão difícil assim pedir desculpa?’. Disparada sem aviso prévio, a pergunta só pode ter uma resposta: ‘Tem de ser’. Se não fosse, haveria muito mais gente a reconhecer o erro e pedir desculpa.

A história dos países, das igrejas, dos governos, dos partidos, dos exércitos, dos tribunais, das empresas, dos jornais, das famílias… e das pessoas, está recheada de erros, com consequências devastadoras, mas muito poucos são capazes de dizer: «Enganei-me, peço desculpa». Feito o mal, mudam o discurso e saem lampeiros, como se nada tivesse acontecido. 

Na longínqua Ásia, esteve em moda a autocrítica pública, que fazia parte da liturgia do poder, mas foi por pouco tempo. Era um arremedo de conversão à nova doutrina, acompanhado de juras de fidelidade, muitas vezes já em preparação para golpes futuros. Assim ou assado, isso foi lá longe e a moda passou. 

Por cá, instalados os nossos mais notórios agitadores nos ‘partidos sérios’, ou nas estruturas do Estado, demos espaço e tempo de antena a gente ambiciosa, ou a justiceiros encartados que escrevem nos jornais e falam na televisão a dar lições de ética e de moral. Alguns carregam crimes de sangue que, estranhamente, nunca foram investigados, mas é como se nada fosse. Converteram-se, fizeram o seu número, uns ficaram, outros desapareceram, e o povo finge que esquece. Para mal de todos, às vezes até aplaude.

Com a descrença de uns e a desistência de outros, a democracia abriu brechas que franquearam a entrada ao oportunismo e à desvergonha; no final, a irresponsabilidade apoderou-se das instituições civis e militares, a incompetência pontificou no governo e na economia, e o país afundou. Depois, as empresas foram fechando, o desemprego ocupou as ruas, a fome alastrou e apareceram falsos Messias a prometer utopias. Quando a coisa deu para o torto, mudaram de fato, e é vê-los travestidos de juízes e profetas. 

É bem certo que o atrevimento cresce na razão direta da impunidade. Não fora essa lei antiga, como explicar a persistência do mal? Como entender, por exemplo, as ações dos que, ainda recentemente, destruíram pilares da economia, como o BCP, a PT, o BES, a CIMPOR e a CGD, sem que se levantasse um juízo de censura? Os nomes e as caras são conhecidos, e muitos recordam os feitos, com honras de primeira página e direito a entrevistas nas televisões, ao mesmo tempo que eram escalados os rankings dos mais poderosos e atribuídas comendas aos novos ‘pais da pátria’. Tardou dez anos para se descobrir que ‘o rei ia nu’. Mas, agora que tudo começa a ficar claro, surgem as falhas de memória redentoras. Poltrões uma vez, desonestos sempre! 

Aos vilões da história não se pede que recitem o ato de contrição da velha catequese – «prometo firmemente emendar-me e não mais voltar a pecar», porque ninguém os levaria a sério. Mas não seria mau se, por uma vez, tivessem a decência de substituir o «Olá, como está?», de quando estendem a mão, por um simples mas honesto «Peço-lhe desculpa».