Fact-checking. As informações falsas que se espalharam no meio do caos

Há mesmo mercenários norte-americanos preparados para a guerra na Venezuela? As fotos das ruas cheias de manifestantes são reais? Algumas dúvidas que surgiram durante a tentativa de golpe de Estado.

Em alturas como estas, a contrainformação ganha mais força. Assim, não é de estranhar que nas últimas horas tenham surgido várias notícias falsas sobre o que se está a passar na Venezuela e muitas questões continuem por responder.

Por cá, a que ganhou maior dimensão foi a do general português que, supostamente, estaria a ajudar Guaidó nesta tentativa de golpe de Estado. Ontem, os principais sites de informação internacionais escreviam que José Adelino Ornelas Ferreira seria major-general por detrás da Operação Liberdade. Os jornais diziam que Ornela apoiava Juan Guaidó e Leopoldo López e liderava o grupo de militares que tinha decidido ficar do lado do autoproclamado presidente interino venezuelano.

Esta teria sido uma mudança radical: em fevereiro, Ornelas tinha sido nomeado por Nicolás Maduro para o cargo de chefe do Estado Maior do Comando Estratégico Operacional das Forças Armadas bolivarianas, o que demonstrava uma total confiança do líder venezuelano no militar de origem portuguesa. Além disso, Ornelas foi chefe de segurança de Hugo Chávez e um dos seus homens de confiança.

A notícia de que o general estaria a apoiar Guaidó surgiu no Twitter, através de José António Mendonza, deputado que apoia o presidente interino. “Última hora: o general do Exército José Adelino Ornelas Ferreira, chefe do Estado Maior Conjunto, será o militar que encabeça este movimento”, escreveu nas redes sociais. 

Mas, afinal, tudo não passou de um falso alarme. O próprio Ornelas usou a sua conta oficial no Twitter para desmentir as notícias falsas que começaram a surgir a partir do tweet de Mendonza: “Enquanto soldado desta pátria, reafirmo a minha lealdade absoluta ao meu comandante Nicolas Maduro e a minha ligação ao meu comandante supremo Hugo Chávez. Hoje mais que nunca venceremos contra quem tenta acabar com a paz na República”, lê-se na mensagem, acompanhada por uma imagem onde Ornelas surge acompanhado por vários militares e junto a uma imagem de Chávez. Mais tarde, o general apareceu ao lado do ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino, numa declaração ao país.

{relacionados}

Entretanto, Gerardo Márquez, presidente da Comissão de Soberania da Assembleia Constituinte, revelou que o diretor do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional, Manuel Cristopher Figuera, é um dos militares que comandam o movimento que apoia Juan Guaidó. “O general Manuel Christopher Figuera é quem praticamente dirige a operação. Está em fuga e seguramente será capturado nas próximas horas, assim como todos os que tentarem violar o Estado de Direito e a Constituição”, afirmou. Esta informação, tendo em conta a forma como foi veiculada, não sendo desmentida, será verdadeira.

O papel da Rússia e EUA O papel das forças estrangeiras nesta tentativa de golpe de Estado tem sido muito falado pelos media. A principal questão é: qual o papel dos EUA e o apoio da Rússia? Onde estão os aviões russos que aterraram em março na Venezuela? As notícias que saíram na altura davam conta da presença de 99 militares e 35 toneladas de material para apoiar o regime de Maduro. Por agora, pouco ou nada se sabe sobre o papel destes intervenientes. Numa nota oficial divulgada pela imprensa, Moscovo diz apenas que “é importante evitar a desordem e derramamento de sangue” e que a situação na Venezuela pode ser resolvida “através de um processo de negociação responsável, sem condições prévias”.

E em relação aos EUA? Quando os protestos de ontem começaram a ganhar força, arrancou também a especulação quanto ao possível envolvimento de mercenários nas manifestações. Segundo a Reuters, o fundador da Blackwater, empresa de “segurança privada” tem estado a recrutar indivíduos com experiência militar com o objetivo de entrar numa guerra na Venezuela.  

A agência de notícias cita quatro fontes conhecedoras da campanha de recrutamento da empresa norte-americana e diz que a recolha de fundos para esta operação está em curso desde meados de abril. O apoio, diz a Reuters, vem essencialmente de exilados venezuelanos e apoiantes do presidente norte-americano Donald Trump, que já manifestou no passado o seu apoio a Guaidó.

A Reuters diz ainda que Erik Prince, fundador da Blackwater e apoiante de Trump, é o principal dinamizador desta missão e que o objetivo é preparar cinco mil mercenários colombianos, peruanos e equatorianos, por serem mais bem aceites do que os norte-americanos. 

Até ao fecho desta edição, não foi noticiado qualquer envolvimento na Blackwater nos protestos desta terça-feira.

O bom e o mau da Internet Quando a Operação Liberdade arrancou, foram muitos os meios de comunicação social que alertaram para o facto de o acesso à internet e às redes sociais estar a falhar e, supostamente, a ser condicionado pelas forças no poder. Mas a verdade é que isso não se verificou: ao longo do dia de ontem, as principais comunicações tanto do lado de Maduro como do lado de Guaidó foram feitas através do Twitter – o próprio presidente venezuelano e o líder da tentativa de golpe de Estado usaram as suas contas oficiais naquela rede social para deixar mensagens aos seus seguidores.

A era das redes sociais trouxe  uma maior facilidade nas comunicações, mas também na disseminação de informações falsas. Ontem, começou a circular no Facebook um vídeo que mostra carros a buzinar e pessoas supostamente a celebrarem o arranque da Operação Liberdade. De acordo com a legenda do vídeo, este teria sido gravado no dia 30 de abril, no início das manifestações contra Maduro, no Quartel Libertador, no estado de Zulia.

Mas a verdade é que as imagens são mais antigas: o vídeo foi publicado no YouTube em 2014 e diz respeito ao protestos organizados pelas guarimbas, grupos de resistência contra o Governo de Maduro. Naquele ano, as manifestações ganharam nova força e o número de mortos aumentou. O Governo fala em cerca de 250 mortos, mas as forças de oposição diz que milhares perderam a vida nestes protestos.

Também no Facebook começou a circular uma imagem que ilustrava protestos pacíficos de apoio a Maduro. “O povo venezuelano mobiliza-se pacificamente em Miraflores para gritar: não ao golpe de Estado!”.

Segundo a agência Lupa, site do jornal Folha de São Paulo que se dedica ao fact checking, esta imagem é real, mas foi captada em 2009. Recorde-se que, nessa altura, a Venezuela viveu uma série de manifestações contra Hugo Chávez. A fotografia em causa mostrava a resposta dos apoiantes do presidente venezuelano.