«Mantém a cabeça erguida»

Esta inscrição, na Av. Praia da Vitória, em Lisboa, aconselha: «Mantém a cabeça erguida». Trata-se de uma recomendação importante. Muitas vezes caminhamos de cabeça em baixo, olhando o chão, o que nos impede de ver os outros, de ver a paisagem, de ver o mundo, de ver a luz. Manter a «cabeça erguida» permite-nos ser…

Esta inscrição, na Av. Praia da Vitória, em Lisboa, aconselha: «Mantém a cabeça erguida». Trata-se de uma recomendação importante. Muitas vezes caminhamos de cabeça em baixo, olhando o chão, o que nos impede de ver os outros, de ver a paisagem, de ver o mundo, de ver a luz.

Manter a «cabeça erguida» permite-nos ser nós próprios e enfrentar tudo com dignidade e, também, humildade, por sabermos que somos nós quem comanda o nosso destino, quem decide aquilo que queremos que nos aconteça.

E andar de cabeça erguida é exercer, nas palavras de Herberto Hélder, o «sagrado uso da verticalidade», a capacidade para olhar o mundo e olharmo-nos a nós próprios simultaneamente com distância e proximidade, com uma certa objetividade subjetiva, com a perspetiva de quem é sujeito mas também objeto.

Para muitas pessoas não é fácil caminhar de cabeça erguida, porque as inquietações dentro delas são tantas e tão conturbadas que é quase impossível olhar para fora. Mas importa sermos capazes de nos distanciarmos de nós para nos conseguirmos ver melhor, uma vez que a distância crítica ajuda a analisar, com maior cuidado, as causas e as consequências daquilo que nos consome e, consequentemente, a encontrar soluções para os males que nos atormentam. Daí que a verticalidade possa ser considerada «sagrada», por ser tão difícil e, simultaneamente, crucial para a vida.

Só quando conseguimos andar de cabeça erguida é que merecemos inteiramente ser considerados humanos, porque só assim nos distanciamos verdadeiramente dos animais, dos seus comportamentos primários, que ainda mantemos, dos seus instintos básicos, que são os primeiros que sentimos e que, sendo o garante da nossa sobrevivência, se não forem racionalizados, podem conduzir-nos a decisões erradas, com consequências gravosas, para nós e para os outros. Importa, pois, mantermo-nos retos e de cabeça erguida em todas as circunstâncias da vida, procurando não fazer como diz Bernardo Pinto de Almeida: «Fui dos que julgaram ter nascido / para tornar grande o mundo / mas atrasei-me, de propósito».

No entanto, na vida, como estratégia bélica, atrasarmo-nos de propósito pode, por vezes, ser um ardil certeiro. Muitas vezes é preferível ficar quieto e parado, aguardando para ver o que acontece, do que atuar sem conhecermos bem o território em que nos movemos, nem os passos ou a estratégia dos adversários.

Manter a cabeça erguida, nas vitórias e nas derrotas, é fundamental para sermos verdadeiros connosco e aceitarmos as consequências dos nossos atos. Porém, o que frequentemente acontece é baixarmos a cabeça ou baixarmos os braços quando nos sentimos derrotados, sem forças para enfrentar o desconhecido ou o que cremos que poderá advir de algum sinal tal como o interpretamos.

É muito fácil sucumbir ao peso do destino, à força dos nossos atos, à carga que atribuímos ao que os outros dizem. Há momentos na vida em que chega a ser quase impossível permanecer de cabeça erguida, porque sentimos que a vida é mais poderosa do que nós, que o seu peso é maior e o seu domínio mais vasto do que aquilo que nós, meros mortais, conseguimos alcançar.

Mas é mantendo a cabeça erguida que conseguimos contrariar este sentimento, porque é, como diz Gonçalo M. Tavares: «Como se a certa altura o homem quisesse ser vertical não para ser mais alto do que os outros animais, mas para ser apenas ligeiramente mais baixo que o céu». E é esta visão poética que nos dá alento e nos ajuda a enfrentar a adversidade, com a esperança de virmos a ser apenas um pouco mais baixos do que o céu. É ela que nos leva longe, por vezes, mesmo, a atravessar o mar, deixando para trás a saudade.

 

Maria Eugénia Leitão