Berardo pediu para audição não ser transmitida e admite processar parlamento

Depois de ver negado o pedido para que a comissão de inquérito não fosse transmitida em direto, Joe Berardo quer agora processar os deputados por violação ao direito de imagem. Ao i, Luís Leite Ramos garantiu que o “interesse público” era superior. 

A audição de Joe Berardo na comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos foi transmitida em direto através da televisão do Parlamento, a ARTV. O empresário não gostou e agora pondera processar judicialmente os deputados presentes naquela comissão por violação do direito à imagem. 

Contactado pelo i, Luís Leite Ramos, presidente da comissão de inquérito à CGD, explicou que André Luiz Gomes, advogado de Joe Berardo, pediu, momentos antes de começar a sessão, para que a transmissão não fosse feita em direto e que fosse apenas gravada. “O advogado colocou-me três condições: uma é que ele lesse o texto, porque o sr. Berardo é disléxico, portanto, tinha dificuldades em ler; a segunda era que os repórteres de imagem abandonassem a sala depois dos cinco minutos iniciais e a terceira era que a sessão fosse gravada, mas que não fosse transmitida pelo canal do Parlamento”, disse Luís Leite Ramos. 

O presidente da comissão de inquérito à CGD aceitou as duas primeiras exigências – “até porque, no caso dos repórteres de imagem já tinha acontecido a mesma coisa na primeira comissão da Caixa ” -, mas garantiu que a terceira não seria considerada. “Não aceitei de maneira nenhuma (…) a minha decisão foi política, essencialmente, porque o interesse público era manifestamente razão para que as coisas decorressem com transparência”, garantiu Luís Leite Ramos.

André Luiz Gomes não procedeu como ditam as regras, tendo em conta que os pedidos foram feitos no próprio dia da comissão de inquérito. “O que é habitual nestas sessões é que os advogados manifestarem essa vontade antes de virem à comissão e ele [André Luiz Gomes] fê-lo no momento em que chegou”, disse o presidente da comissão. 

Sobre o facto de, eventualmente, serem processados todos os presentes na comissão, Luíz Leite Ramos, disse não ter “grande preocupação”, por ter cumprido o seu dever e ter feito “aquilo que tinha de fazer”. Depois de a RTP ter avançado que o empresário pondera avançar para a justiça, o i tentou obter um esclarecimento do empresário, sem sucesso.

Condecorações em risco A audição em questão, no âmbito da gestão e recapitalização da CGD, originou duras críticas a Berardo. Na última sexta-feira o Conselho das Ordens Nacionais decidiu abrir um processo disciplinar para analisar a possível infração dos deveres de titular da Ordem do Infante D.Henrique – que, no limite, poderá levar à retirada das condecorações de Berardo. 

Ao SOL, o empresário madeirense afirmou que não pediu qualquer condecoração. E foi mais longe: “Eu não tenho só essas [condecorações], eu tenho nove (…). Não pedi nada disso, nem tive influência [no processo]. Eles deram-me por serviços à comunidade. Se eles quiserem…olhe, é um descanso”.   

 

Pelo museu, tudo na mesma. Até ver 

Em fim de semana de atenções voltadas para galerias e museus, graças à ARCOlisboa, que ontem chegou ao fim de quatro dias da sua quarta edição na capital portuguesa, o museu que ostenta o nome de Joe Berardo, o empresário e colecionador que ao longo da última semana esteve no olho do furação mediático, não se faria exceção. Para lá das polémicas em torno do homem – e do processo entretanto aberto pelo Conselho das Ordens Honoríficas que poderá retirar-lhe o título de comendador -, a relevância da coleção que construiu continua a mesma. 

Fazendo jus ao lugar que ocupa o Museu Coleção Berardo entre os mais relevantes em território nacional, pelo menos em termos de público (segundo o Art Newspaper, foi este o museu português mais visitado ao longo de 2018), no Centro Cultural de Belém, que o acolhe, a vida segue para os visitantes, para lá das polémicas. Em tempo de discussões sobre onde deve começar ou terminar a separação entre um homem e a sua obra – neste caso, o seu legado -, a separação parece clara para aqueles que continuam a visitá-la. Trata-se de uma coleção de arte moderna e contemporânea de mais de oito centenas de obras da autoria de nomes tão sonantes como os de Pablo Picasso, Marcel Duchamp, Max Ernst, Piet Mondrian, Joan Miró, Maria Helena Vieira da Silva, Francis Bacon, Paula Rego, Yves Klein, Andy Warhol, Frank Stella, Richard Serra, Gerhard Richter, Bruce Nauman, Julião Sarmento ou Gabriel Orozco, citando aqueles de que se faz valer a instituição na sua apresentação.

E há quem o faça, conforme adiantado ao i durante o fim de semana, pela incerteza do que poderá trazer o futuro, sobretudo depois do digladiar de palavras entre Joe Berardo e a ministra da Cultura, que na passada quinta-feira, perante as declarações do empresário que chegou a ser apresentado como o quinto homem mais rico do país, anunciou em conferência de imprensa a criação de uma task force entre três ministérios – Cultura, Justiça e Finanças – para “garantir a integridade, não alienação e fruição pública da Coleção Berardo”. 

Uma necessidade que descreveu como “imperiosa”, enquanto garantia que “o Governo tem ao seu dispor as necessárias e adequadas medidas legais para garantir estes três objetivos” e que “em breve” seriam anunciadas as medidas a ser tomadas nesse sentido. Por agora, não será dada pelo Governo qualquer “satisfação a Berardo”, tão–pouco serão anunciadas “as medidas que o Governo pode adotar”. A verdade é que, já em 2018, a Direção-Geral do Património Cultural conseguiu impedir a saída de 16 das obras da coleção para o Reino Unido. 

Avaliada pela Christie’s em 316 milhões de euros, a coleção está na mira dos três bancos que procuram recuperar parte da sua dívida (ainda que não seja clara a possibilidade legal de recorrer à execução das obras dadas como garantia através da Associação Coleção Berardo): a Caixa Geral de Depósitos, o Banco Comercial Português e o Novo Banco que, em conjunto, reclamam uma dívida de perto de mil milhões de euros.