Sócrates e Salgado abrem guerra entre juízes

Ivo Rosa levanta dúvidas sobre a validade de provas juntas ao caso Marquês e que foram autorizadas pelo juiz Carlos Alexandre na fase de investigação. Magistrado tem visto a Relação de Lisboa contrariar várias das suas decisões.

O juiz Ivo Rosa, que lidera a instrução da Operação Marquês, volta a pôr em causa o trabalho de Carlos Alexandre, seu antecessor no processo, durante a fase de investigação. Em despacho dado esta semana, o magistrado levanta dúvidas sobre a validade de provas apreendidas na busca à casa de uma antiga assessora da administração do BES – no âmbito do inquérito do Ministério Público à aplicação ruinosa de 900 milhões de euros feita pela PT na Rioforte, do GES, em 2014 – e que foram juntas ao processo Marquês.

Estas provas foram consideradas relevantes pela equipa de investigação da Operação Marquês, mas a sua junção foi inicialmente recusada pela juíza de instrução do inquérito PT/Rioforte, só acabando por acontecer a 1 de agosto de 2017, dois meses antes do despacho de acusação a José Sócrates e restantes coarguidos. Trata-se, sobretudo, de e-mails trocados entre Ana Rita Barosa (que foi administradora de várias empresas do BES) e Amílcar Morais Pires (número dois de Ricardo Salgado no BES) e Zeinal Bava, o CEO da PT.

O inquérito do Ministério Público ao caso PT/Rioforte iniciou-se a 23 de outubro de 2014, após a resolução do BES e de se saber do investimento ruinoso de 900 milhões de euros, completamente perdido, que a operadora de telecomunicações fizera naquela holding do GES quando esta já estava já falida. O inquérito, por estar em investigação no DCIAP, foi às mãos de Carlos Alexandre – mas este considerou que não lhe competia a ele, juiz de instrução do Tribunal Central de Instrução Criminal, acompanhar o inquérito, «por não se verificar dispersão da atividade criminosa» como a lei prevê (ou seja, factos ocorridos ao mesmo tempo em várias comarcas). E remeteu o inquérito para os juízos de instrução de Lisboa.

Mas, já depois disso e alegando urgência na investigação sob pena de perda da prova, deu sucessivos despachos no processo nos meses seguintes, em que autorizou o MP a fazer «diligências de busca e interceção, gravação e apreensão de ficheiros eletrónicos», «a quebra do sigilo de correspondência e o acesso a todos os ficheiros informáticos na busca a realizar às instalações da PT» e à consultora que a assessorava, a PWC, abertura de correio eletrónico, junção de todo este material ao processo e respetiva abertura e visualização pelos investigadores, bem como transcrição. 

A 12 de março de 2015, ainda admitiu mesmo um recurso no processo. No entanto, desde 10 de março que o processo já estava atribuído a um juiz de instrução do Tribunal da Comarca de Lisboa – e este não produziu entretanto qualquer despacho a validar o que Carlos Alexandre tinha feito.

Mais um episódio da guerra de juízes

Segundo o SOL apurou, Ivo Rosa considera que isso põe em causa a validade destas provas, afetando o processo Marquês. E, por isso, pede ao procurador Rosário Teixeira, aos advogados dos arguidos e aos assistentes que se pronunciem sobre esta questão jurídica – e que digam, nomeadamente, se acham válidas estas provas e mesmo se foram corretamente recolhidas e juntas ao processo ou se devem ser anuladas.

«Isto mais parece já uma guerra do que uma instrução…», comenta ao SOL uma fonte conhecedora do processo, surpreendida com a questão colocada por Ivo Rosa, que considera ser despropositada. E explica: «Segundo o Código de Processo Penal, o juiz que autoriza uma busca acompanha as consequências dessa busca e aprecia se foi bem feita ou não, se pode juntar ou não os e-mails, se pode aceder à base de dados, etc. São questões que a lei manda serem decididas pelo juiz que autorizou a busca, mesmo que ele seja incompetente e que tenha apenas decidido com base na urgência do ato».

Outra fonte ouvida pelo SOL refere que «nem no processo PT/Rioforte nem na Operação Marquês isto foi questionado pela defesa dos arguidos». E remata: «O juiz quer não só apreciar o que a defesa arguiu como também aquilo que ela não suscita o que o coloca numa posição que se não for inédita é no mínimo estranha.»

Ivo Rosa continua em ‘contramão’

São várias as decisões tomadas pelo juiz Ivo Rosa – muitas a contrariar o entendimento de Carlos Alexandre – que acabam contrariadas por tribunais superiores. Ainda no mês passado, oTribunal da Relação de Lisboa determinou que a caução de 300 mil euros imposta a Armando Vara na Operação Marquês era para ser mantida, contrariando assim a decisão do juiz Ivo Rosa que, a 26 de novembro de 2018, tinha decidido «a extinção da medida de coação imposta […] com o consequente levantamento da hipoteca» sobre um imóvel do arguido.

E em fevereiro, o juiz Ivo Rosa tinha visto uma decisão sua no caso EDP ser anulada pela Relação de Lisboa. O acórdão do juiz Ricardo Cardoso acusava mesmo Ivo Rosa de ter violado a «legalidade democrática». O desembargador Ricardo Cardoso dava razão ao recurso do Ministério Público, confirmando que Ivo Rosa tinha ido além dos seus limites e que, ao contrário do defendido pelo juiz de instrução, os emails apreendidos no caso BES e na Operação Marquês respeitantes a António Mexia podiam ser analisados no processo EDP.

Este acórdão da Relação acabou, no entanto, por ser anulado, uma vez que a mulher de Ricardo Cardoso, também juíza, já havia tomado decisões no mesmo processo (em outros recursos). Por esse motivo, a Relação acabou por declarar nulo o acórdão.