General Paihama tenta voltar à banca depois de perder o BANC

O BANC foi encerrado no processo de saneamento da banca ordenado pelo Presidente angolano, mas Kundi Paihama quer voltar ao setor através do seu ‘sobrinho’, Silvestre Tulumba. Mas as autoridades estão atentas e não querem que se repita a história do banco ajudado a fundar pelo BES e pelo BESA.

O ex-ministro da Defesa Nacional Kundi Paihama prepara-se para tentar voltar ao setor financeiro, depois de o Banco Nacional de Angola (BNA) ter encerrado o BANC – Banco Angolano de Negócios e Comércio, do qual era o maior acionista, com uma participação de 80,27%. Este regresso à banca é projetado através do BCS – Banco de Crédito do Sul, formalmente controlado pela família de Silvestre Tulumba, empresário que é apresentado como familiar de Paihama e que enriqueceu com fornecimentos ao Estado angolano, feitos quando o general era ministro da Defesa Nacional (ver caixa). 

As autoridades têm-se mostrado atentas e apreensivas, porque as relações estreitas entre Paihama e Tulumba não são bem vistas, numa altura em que o Presidente da República, João Lourenço, insiste na transparência de processos e na luta contra a corrupção, e porque ambos foram peças-chave no desenvolvimento do BANC, que acabou por ser intervencionado pelo BNA, em 2018, e encerrado já em 2019.

O BANC foi fundado em 2006, apadrinhado pelo Banco Espírito Santo (BES), ancorado num empréstimo de cinco milhões de dólares (cerca de 3,75 milhões de euros, ao câmbio da altura) decidido em Lisboa, mas contraído junto do Banco Espírito Santo Angola (BESA), que serviu para realizar o capital social inicial da instituição. O maior acionista era o então ministro da Defesa Nacional, Kundi Paihama, com 37%, mas o líder do projeto foi o empresário português António Ferreira, que controlava a empresa dos Casinos de Angola, de que Paihama era também acionista, mas minoritário.

O sócio Toni Ferreira

Entre 2009, quando António Ferreira e Kundi Paihama rompem relações, e 2014, o capital social do BANC foi aumentado em 50 milhões de dólares. É através das sucessivas operações de aumento de capital que Kundi Paihama se torna o acionista dominante da instituição financeira. A 31 de maio de 2018, na última assembleia geral antes da intervenção do BNA, o capital social do BANC é de 5,84 mil milhões de kwanzas (cerca de 15,9 milhões de euros, ao câmbio atual).

Para ter a participação de 80,27% que lhe é atribuída, o esforço financeiro de Kundi Paihama seria da ordem dos 36,12 milhões de dólares (cerca de 4,35 mil milhões de kwanzas, ao câmbio de maio de 2018). Deste montante, quando o BNA decide retirar a licença ao BANC para operar no mercado financeiro, a 6 de fevereiro, o general ainda teria de realizar cerca de 14 milhões de dólares (que equivalem a 1,66 mil milhões de kwanzas ao câmbio de 2018, mas que representam 4,6 mil milhões de kwanzas ao câmbio de fevereiro deste ano). Ou seja, Paihama injetou no banco cerca de 22 milhões de dólares, ou 60% daquilo a que se tinha comprometido, ficando o restante por realizar.

Mais grave ainda: em 2016, na ata da assembleia geral de 22 de setembro de 2016, Nasser Sattar, vice-presidente da KPMG, consultora do banco, é citado alertando para o facto de o BANC estar obrigado a fazer um aumento do capital social no valor de 75 milhões de dólares [cerca de 12,3 mil milhões de kwanzas, ao câmbio de 2016], «por forma a poderem ser cumpridos os rácios definidos pelo banco central». 

Paihama, maior acionista e presidente da mesa da assembleia geral do banco, tinha mesmo ordenado a formação de uma comissão e acompanhado os trabalhos para encontrar um novo acionista, mas as soluções encontradas acabam por sair goradas, até porque implicavam sempre a diluição da posição de controlo.

Em 2016, Sattar avisava que, ao não concretizar o aumento de capital, o BANC corria o risco de ver o banco central a “vir tomar medidas activas de controlo do banco”. É isso que acaba por acontecer em 2018 e, já em 2019, leva o governador do BNA, José Lima Massano, a apontar o dedo aos acionistas quando anunciou o cancelamento da licença do BANC. «A reposição do capital social não foi avançada pelos acionistas», disse, sublinhando que isso levou à deterioração da situação financeira da instituição.

 

Aumento de Paihama pago por Tulumba

A história torna-se mais intrincada quando os registos de entradas de dinheiro no BANC mostram que no último aumento de capital, o mais robusto, realizado em janeiro de 2014, a contribuição de Kundi Paihama, no valor de 1,98 mil milhões de kwanzas (cerca de 20,4 milhões de dólares, ao câmbio da altura), apesar de insuficiente, foi maioritariamente transferida de contas de familiares ligados a Silvestre Tulumba. 

Assim, 306,6 milhões de kwanzas (cerca de 3,14 milhões de dólares, ao câmbio de janeiro de 2014) são transferidos de uma conta da Serviços Executivos Aéreos de Angola (SEAA), uma empresa de aviação controlada por Silvestre Tulumba; e 592 milhões de kwanzas (cerca de seis milhões de dólares) chegam do Gesti-Grupo, que domina a Plurijogos, empresa que detém a marca Casinos de Angola e que, entretanto, tinha deixado de ser controlada por António Ferreira.

Outros 592,2 milhões de kwanzas (cerca de seis milhões de dólares, ao câmbio de 2014) são originários de uma conta de Francisca Kaposse, prima de Tulumba e, formalmente, a maior acionista do BCS, com uma participação de 45% do capital do banco. 

Da conta pessoal do então ministro dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria saem apenas 491,6 milhões de kwanzas (cerca de cinco milhões de dólares). 

Em 2014 é também a data em que entra o pedido de licença de Silvestre Tulumba para a constituição de um novo banco dá entrada formal. Desde essa altura, não há mais reforços de capital do BANC e BCS acaba por ter licença para operar em abrir de 2015. 

Dívidas de Tulumba explicam atraso na concessão de licença

O atraso na concessão da licença ao BCS é atribuído, segundo a comunicação social, ao facto de Silvestre Tulumba ter créditos em situação de incumprimento, nomeadamente no estatal BPC. Nesta altura, a investigação do Sol mostra que o empresário é também o maior devedor do BANC, com empréstimos vivos de 1,33 mil milhões de kwanzas, que a instituição financeira registava com o contravalor de 11,04 milhões de dólares. 

A intervenção do BNA é explicada com a política determinada por João Lourenço de saneamento do sistema bancário, para recuperação da imagem internacional do sistema financeiro angolano, especialmente numa altura em que era necessário reforçar a relação com o Fundo Monetário Internacional (FMI). No BANC, aos problemas criados pela ausência de novos acionistas e pela gestão de risco acrescem «deficiências no modelo de governação». Os registos da instituição revelam que Kundi Paihama, entre outros benefícios com significado contabilístico, é o único acionista remunerado – com a transferência mensal de 10 mil dólares – e que impôs diversos familiares na estrutura, nomeadamente a sua filha Elizabeth Paihama, que chega a ser administradora durante quase dois anos, mas que mantém o salário e as regalias até ao encerramento, mesmo depois de deixar o cargo.

Desde que João Lourenço foi eleito Presidente da República de Angola, em agosto de 2017, Kundi Paihama tem perdido poder: primeiro, a Plurijogos, já controlada pelo general, perde o monopólio de facto do jogo em Angola; depois, o BANC foi intervencionado pelo BNA, já sob a liderança de João Massano, nomeado governador por João Lourenço, com a incumbência de sanear a banca angolana; a seguir, Paihama foi exonerado do cargo de governador da província do Cunene; e, já este ano, o BNA decide o encerramento do banco do general.