Austrália. Jornalistas alvo de buscas devido a fugas de informação

Autoridades investigam a divulgação de documentos confidenciais relativos a crimes de guerra e abusos de privacidade. BBC fala em “ataque à liberdade de imprensa”.

Os escritórios da emissora televisiva Australian Broadcasting Corp (ABC) foram alvo de uma rusga, esta quarta-feira de manhã, por “alegada publicação de material confidencial”, segundo a Polícia Federal Australiana. Os documentos foram a base do documentário Os Ficheiros Afegãos, que revelou alegados crimes de guerra cometidos por forças australianas destacadas no Afeganistão. Em comunicado, a BBC, parceira da emissora australiana, qualificou a atuação das autoridades como “profundamente perturbadora”, considerando-a “um ataque à liberdade de imprensa”.

“Num momento em que os media se estão a tornar cada vez menos livres por todo o mundo, é muito preocupante que uma emissora pública seja visada por fazer o seu trabalho de noticiar, como é do interesse público”, afirmou a emissora britânica. John Lyons, um jornalista que tweetou a rusga ao vivo, relatou que a polícia vasculhou 9214 documentos nos servidores da ABC, um por um. Algo que põe em causa a confidencialidade que o código deontológico dos jornalistas assegura às fontes anónimas. “Ainda estou estupefacto com o poder deste mandato. Ele permite à polícia ‘adicionar, copiar e alterar’ material nos computadores da ABC”, escreveu Lyons. 

É de notar que os documentos que terão resultado nas buscas são o resultado de uma fuga no Ministério da Defesa, e revelavam incidentes como a morte de pessoas desarmadas – incluindo crianças – por parte das forças especiais australianas. Aliás, a frequência destes eventos, no período entre 2009 e 2013, até terá levado as autoridades afegãs a ameaçarem deixar de trabalhar com os australianos. Um dos documentos relaciona estes casos com “problemas” dentro da “cultura organizativa” das forças especiais, incluindo uma “cultura guerreira”, que aumenta disponibilidade dos oficais para fechar os olhos perante os crimes.

Contudo, esta não é a primeira vez que as autoridades australianas visam jornalistas. Ainda no dia anterior à rusga à ABC, foram feitas buscas à casa de Annika Smethurst, a editora de política de vários títulos do News Corp Australia, como o Sunday Telegraph. Esta ação policial também terá sido motivada pela suposta divulgação de informação confidencial, neste caso relativa a violações da privacidade por parte da Australian Signals Directorate (ASD), as secretas cibernéticas australianas.

Smethurst revelou que estaria a ser discutida uma proposta para expandir os poderes da agência, dando-lhes acesso aos emails, extratos bancários e sms de todos os australianos, sem precisar de qualquer mandato, bastando a aprovação de dois ministros. Uma medida que daria às secretas um poder sem precedentes, bem como ao poder executivo, que passaria a poder contornar o sistema judicial. 

O mandado de busca levado a cabo pelas autoridades australianas na ABC visava o diretor noticioso da emissora, Gaven Morris, bem como dois repórteres, Daniel Oakes e Samuel Clark. Morris defendeu os seus jornalistas no Twitter, assegurando que estão comprometidos com “dizer a verdade, no interesse público dos australianos”, saindo também em defesa de Smethurst.

Além destes casos, o Governo australiano, do conservador Scott Morrison,  também estará a investigar a rádio 2GB, tentando descobrir como conseguiu a informação que seis barcos com refugiados terão sido impedidos de entrar no país. “As hipóteses de eu revelar as minhas fontes são zero. Nem hoje, nem amanhã, na próxima semana ou no próximo mês”, garantiu Ben Fordham, o jornalista da 2GB que avançou a história.