O país dos Berardos e Constâncios da vida

“Daqui a uns anos – quando a História puder ser feita, veremos que aquilo que alguns denunciavam, como foi o nosso caso, com custos altíssimos – facilmente se perceberá que Portugal viveu um dos seus momentos mais tenebrosos no que diz respeito à falta de transparência da vida pública”

No meu dia-a-dia tenho de assinar vários documentos referentes ao funcionamento do jornal: sejam folgas da redação, vales de despesa de reportagem, entrada de novos jornalistas e por aí fora. Não deve haver, seguramente, nenhum documento importante assinado por mim que não me lembre dele, mesmo que tenha sido há mais de 15 anos. É óbvio que não me refiro aos documentos de gestão diária, mas sim a outros mais importantes. É pois muito estranho para mim saber que Vítor Constâncio não se lembra de uma reunião onde foi discutido o empréstimo da Caixa Geral de Depósitos de 350 milhões de euros a Joe Berardo para este fazer um assalto ao BCP, comprando as ações com garantias zero.

Uma investigação do Público veio confirmar aquilo que se dizia à boca cheia de que Constâncio sabia perfeitamente da jogatana de Berardo e que foi conivente com o empréstimo. Daqui a uns anos – quando a História puder ser feita, veremos que aquilo que alguns denunciavam, como foi o nosso caso, com custos altíssimos – facilmente se perceberá que Portugal viveu um dos seus momentos mais tenebrosos no que diz respeito à falta de transparência da vida pública. E há um nome que é incontornável desse período: José Sócrates que, à semelhança de Bruno de Carvalho do Sporting, ainda tem uma pequena legião de fãs. 

O antigo primeiro-ministro, que tem uma mente brilhante, infelizmente canalizada para o mal, gizou um plano de controlo total do país. Quis começar pela comunicação social – comprando a televisão líder de então, a TVI, e calando o SOL e o Correio da Manhã -, tomando conta do poder económico de seguida. Não havia nada de importante que esse cérebro maquiavélico não trabalhasse. E foi nesse esquema de assalto aos bancos privados que Sócrates terá tido a ajuda dos Berardos da vida, com a complacência de figuras como Vítor Constâncio.

Não está aqui em causa o partido A ou B, o que se passou nesse período, que nos obrigou a chamar a troika de tão má memória, não pode ficar sem a chamada de todos os responsáveis ou corresponsáveis do desastre nacional à barra dos tribunais.

Todos aqueles que têm tido ataques de amnésia quando vão depor às comissões parlamentares de inquérito têm de ser avivados do mal que fizeram ao país. Constâncio vai voltar ao Parlamento e se se provar que mentiu, então o Ministério Público tem de entrar em ação. Mas não são só estes os atores e figurantes desse período negro da nossa História, o centrão tem muitos tentáculos. É conhecida a aliança entre PS e PSD no que diz respeito aos grandes negócios, mas esperemos que ainda haja um pingo de vergonha e que o combate à corrupção passe a estar na linha da frente.

Veja-se o que se passou nas autárquicas de Lisboa, com a dança de assessores dos dois partidos – que ganham uma verdadeira fortuna, atendendo ao que fazem e ao salário médio nacional – e uma vassalagem perante os candidatos às juntas de freguesia para não se agredirem uns aos outros, leia-se tachos. 

Se Portugal está tão na linha da frente do proibicionismo e do politicamente correto – só faltando mesmo começar a multar os bêbedos que vão aos ziguezagues na rua – porque não segue o exemplo de países como a Islândia e a Finlândia, onde políticos já foram condenados por erros económicos que prejudicaram os seus cidadãos? Marcelo, que gosta de falar tanto para não perder protagonismo, por que não faz umas presidências abertas cujo tema seria o combate à corrupção? Sempre seria mais útil do que meter-se na vida partidária nacional.

P. S. – Esta semana provou-se bem a importância da comunicação social. Não fosse o Público a denunciar a história de Vítor Constâncio e tudo continuaria na mesma. O mesmo se aplica à lista de prémios da TAP divulgada pelo jornal i.

vitor.rainho@sol.pt