«Há momentos em que sentes que realmente estás a viver e não só a existir»

Esta frase estava afixada numa parede em Braga, e diz: «Há momentos em que sentes que realmente estás a viver e não só a existir». Não se trata de uma frase escrita na parede, mas antes gravada numa placa de metal, afixada propositadamente numa parede, mas a mensagem pareceu-me tão pertinente que decidi inclui-la nesta…

Muitas vezes deixamo-nos levar por um certo «adormecimento», a mesma sensação que experimentamos quando sentimos uma perna ou um pé dormente. Entramos num estado de letargia e vagueamos pela vida, quase sem nos apercebermos de que não estamos a aproveitá-la. Levantamo-nos ainda a dormir, entramos num qualquer meio de transporte desejando não ver ninguém nem sermos vistos, realizamos as tarefas que temos de cumprir no trabalho, comemos uma qualquer comida sem particular prazer, perguntamos em casa como correu o dia sem ouvirmos a resposta (o próprio verbo «correr» é bem significativo…), somos hipnotizados por um pouco de televisão, e deitamo-nos na esperança de que o despertador não toque na manhã seguinte. É isto que fazemos quando estamos apenas concentrados em existir.

Mesmo numa vida assim, há momentos que quebram a monotonia, como quando encontramos um amigo de quem gostamos e que nos devolve o gosto pela partilha de momentos especiais, quando saboreamos uma refeição cozinhada com carinho e com cuidado, quando assistimos a uma peça de teatro que nos interpela ou a uma composição musical que nos emociona, quando olhamos um pássaro pousado num galho, a chilrear. São esses momentos que dão sentido à existência e nos fazem perceber o que é realmente a vida, que, no fundo, nos alertam para o facto de, na maior parte do tempo, vivermos em modo automático. São esses momentos que efetivamente nos fazem sentir que estamos a viver, a usufruir daquilo que a vida tem de belo. São esses momentos que nos acordam e levam, por vezes, à mudança, a tomar consciência de que a vida pode ser sempre, todos os dias, um caminho de luz e não de treva e que é a cada um de nós que cabe a opção de viver e não só de existir. Como diz Luís Filipe Parrado: «Estar vivo / é abrir uma gaveta / na cozinha, tirar uma faca de cabo preto, descascar uma laranja. // Viver é outra coisa: / deixas a gaveta fechada / e arrancas tudo / com unhas e dentes, / o sabor amargo da casca, / de tão doce, /não o esqueces».

Mesmo quem tem uma vida preenchida e realizada, acaba também por criar rotinas, até porque essas rotinas nos dão a segurança necessária para tentar novos voos, para, a partir do que está garantido, ter liberdade para criar. E é no meio dessas rotinas, por poucas e pouco frequentes que sejam, que, ao experimentar novas sensações, visuais, sonoras, tácteis, olfativas ou gustativas, nos sentimos plenamente realizados e temos consciência de efetivamente respeitarmos a «fiel dedicação à honra de estar vivo[s]» (nas palavras de Jorge de Sena). Porque estar vivo é realmente uma honra, é verdadeiramente uma oportunidade para fazermos sempre mais e melhor, para cumprirmos, como diz Torga, o nosso «destino de não ficar parado[s]», até porque não há regras que ditem o nosso destino.