“É impossível apagar o vídeo porque estava em 21 sites de pornografia”

A pornografia de vingança diz respeito à partilha de conteúdos de cariz sexual (imagens, vídeos ou áudios que contêm nudez) de forma não consensual, muitas das vezes, depois do fim de um relacionamento amoroso.

“É impossível apagar o vídeo porque estava em 21 sites de pornografia” começou por dizer Liliana Baptista, de 26 anos, vítima de agressão e devassa da vida privada em setembro de 2014. À época, a jovem residia com Bruno Frederico, um motorista de 37 anos que havia conhecido quando era apenas uma adolescente. A agora operadora de call center trabalhava no Hotel do Sado e, após dois meses de um clima de animosidade entre o casal, Frederico descobriu que a namorada trocava mensagens com um colega de trabalho pelo qual estava interessada.

Após agredir a companheira com duas bofetadas, tirou-lhe o telemóvel e ameaçou divulgar os vídeos de cariz sexual que tinham gravado consensualmente. Três dias depois, a ameaça tornou-se realidade, embora não na totalidade: “esses vídeos não eram os únicos, gravávamos para apimentar a relação e apagávamos os conteúdos. Os últimos é que prevaleceram”, confessou a vítima.

“Primeiro, fiz queixa por agressão mas posteriormente regressei à esquadra e expliquei que os vídeos estavam a circular na Internet” avançou Liliana, esclarecendo a cronologia do processo pelo qual passou: a participação do crime foi feita em setembro de 2014, o julgamento em primeira instância ocorreu em abril de 2016 – Frederico fazia questão de chegar atrasado a todos os julgamentos, juntamente com o seu advogado, e as autoridades tiveram de passar a pente fino a sua casa. Foi acusado de quatro crimes: devassa da vida privada, falsidade informática, ofensas à integridade física e posse de arma proibida – a leitura do julgamento foi feita em julho, Frederico recorreu ao Tribunal da Relação em novembro e ao Supremo Tribunal em março de 2017, tendo sido detido somente em setembro de há dois anos.

“Pensava, acima de tudo, que tinha de retirar algo positivo de todo o mal que ele me fazia” disse Liliana, afirmando que o ex-namorado publicou os vídeos eróticos em seu nome e também criou perfis em redes sociais (como o Facebook e o Instagram) e em sites de conversação (como o Badoo) com os seus dados pessoais. Sublinhe-se que Bruno Frederico divulgava até o local de trabalho de Liliana, marcando encontros com homens que a procuravam no Hotel do Sado. No entanto, a estratégia não estava completamente apurada pelo agressor: ao dialogar com um rapaz no Facebook, não desativou a funcionalidade de envio da localização e este deslize acabou por beneficiar Liliana em tribunal, pois o indivíduo que falou com Frederico enviou-lhe screenshots das conversas.

“Chegava a estar, até às quatro ou cinco da manhã, a receber telefonemas. Diziam que me davam imenso dinheiro por 24 horas comigo. Mas eu reencaminhava as chamadas todas para o número do Bruno” afirmou Liliana, dizendo que o ex-namorado foi avaliado psiquiatricamente e foi concluído que o homem “não conseguia controlar os impulsos e era manipulador”.

“Uma das testemunhas que levei a tribunal foi um rapaz a quem o Bruno vendeu um telemóvel. O problema? Ele tinha apagado todos os conteúdos exceto o vídeo” – Liliana, ao longo de meses, reuniu um conjunto de provas sólidas, de forma racional, para corroborar as atitudes criminosas de Frederico. “Se aquilo que ele quer é destruir-me, eu não vou permitir” foi este o pensamento recorrente da jovem que viu os vídeos pornográficos caseiros serem partilhados no Facebook do hotel onde trabalhava, eliminados de imediato pela administradora da página.

“Cheguei a um ponto em que me sentia nua em todo o lado”. A verdade é que Liliana passou por uma experiência semelhante à de Verónica Rubio, a espanhola que se suicidou após os vídeos que havia gravado com um ex-namorado, há cinco anos, serem partilhados pelo mesmo em conversas de WhatsApp da empresa Iveco que, em Madrid, tem cerca de 2500 funcionários. No ano passado, Liliana começou a trabalhar numa fábrica de carros e, três dias após o início do seu percurso, “a linha de montagem já tinha visto os vídeos”.

“Quero ter filhos. Aquilo que me custa mais é pensar na forma como lhes direi aquilo que aconteceu” revelou Liliana, evocando que “na fase da adolescência podem surgir questões” e “saber lidar com a situação” é tudo menos fácil. Afinal, para a jovem, o mais embaraçoso foi ter consciência de que as pessoas de quem mais gosta tinham-na visto em situações íntimas, pois os desconhecidos “são apenas pessoas que não conhece”.

Três anos e nove meses de prisão efetiva. Foi esta a pena que Bruno Frederico recebeu em setembro de 2017. O caso de Liliana Baptista foi o primeiro, de divulgação de vídeos pornográficos caseiros sem consentimento, a ser punido em Portugal. O arguido, para além da prisão, terá de pagar 75 mil euros de indemnização à vítima mas esta acredita que “tal nunca acontecerá”.

Questionada acerca daquilo que sente ao pensar na libertação do antigo companheiro, Liliana adiantou: “preferia dizer que não tenho medo, mas tenho. Foi muito tempo e ele tanto pode ter refletido e achado que estava errado ou ter encontrado uma vingança por ter estado enclausurado ‘por minha causa’”.