A epidemia da corrupção…

Se este Governo sobreviveu, não foi por mérito intrínseco mas porque Marcelo Rebelo de Sousa assim quis.

O título não é novo. Foi usado nesta mesma coluna há dois anos. De então para cá, o que mudou foi para pior. O Estado de negação agravou-se. E promete continuar sem desvios. Nega-se a todo o custo o que está mal, mesmo contra todas as evidências, e sacodem-se responsabilidades, até com recurso a tolices infantis. 

Em contrapartida, para manter a ilusão, anunciam-se e voltam a anunciar-se projetos de milhões, cujo destino inexorável é a gaveta. A paralisia em que se afunda o país dói, mas ninguém reage — com medo de represálias. O dia seguinte está forrado de incógnitas, protegidas pelos ‘mordomos’ do costume. Mas quem se importa com isso, no meio da ficção da ‘página virada da austeridade’? 

Perdeu-se, inclusive, a noção do ridículo, quando a maioria de esquerda aprovou no Parlamento um voto de condenação pela ‘repressão’ do chamado ‘buzinão’ na ponte sobre o Tejo, ocorrida há 25 anos, durante o executivo liderado por Cavaco Silva. O disparate toca no absurdo. 

Poderiam os deputados de esquerda, caso se lembrassem, aprovar votos de condenação pelo estado caótico a que chegaram os hospitais e serviços públicos, ou pela degradação dos transportes, ou, ainda, pelos deploráveis atrasos na atribuição de pensões na Segurança Social. Mas não.

Afinal, o que importou ao frentismo de esquerda foi um episódio circunscrito, a pretexto do aumento das portagens, patrocinado pelos mesmos ‘indignados’ que se ‘fecharam em copas’ perante o bloqueio dos camionistas de materiais perigosos ou o despejo compulsivo do ‘prédio Coutinho’, às mãos de um autarca socialista. 

Descontado o folclore, é já um ritual aproveitarem-se as cortesias antes de férias para ensaiar um debate sobre o estado da Nação. As bancadas agitam-se, mas deputados e governantes seguem a coreografia consoante o guião. 

Desta vez, porém, o balanço envolve uma legislatura que ninguém ousou prever que chegasse ao fim, a reboque de uma ‘geringonça’ inventada por quem precisava de iludir uma amarga derrota eleitoral.

Convirá, no entanto, preservar um módico de realismo. Se este Governo sobreviveu, apesar dos remendos sofridos, não foi por mérito intrínseco mas porque Marcelo Rebelo de Sousa assim quis, andando com ele ao ‘colo’ como nunca se tinha visto anteriormente. 

Onde o primeiro-ministro em exercício falhou, e consentiu que o Estado falhasse – e falhou várias vezes –, o Presidente cobriu com a sua presença os erros, as omissões e a insensibilidade governativas. Foi um ‘pronto-socorro’ em estado de prontidão. 

Sem a popularidade presidencial, à qual o primeiro-ministro se ‘colou’, o país teria sido mais exigente nos direitos e severo na condenação da soberba. 

Sem esse ‘escudo protetor’, também o Bloco e o PCP não teriam dado tantas tréguas ao Governo e seriam forçados a ‘fazer pela vida’.

A aliança instrumental que Costa forjou em desespero de causa deixou, no entanto, os comunistas do PCP em ‘maus lençóis’, embora tenha encorajado os neocomunistas do Bloco, disfarçados de gente moderada.

Graças à ‘geringonça’, o Bloco conseguiu recuperar do naufrágio em que quase soçobrou quando tinha Francisco Louçã no comando.

O então timoneiro simulou que entregava o leme, mas continuou a ser o ‘dono’ da embarcação. Distribui o jogo e Catarina põe as cartas marcadas na mesa. 

Jerónimo é que já não tem mão para esta ‘navegação de cabotagem’, sempre com o PS à vista, e não soube rodear-se de ‘marinheiros’ capazes. 

Por este andar, ainda assistiremos ao afundamento do PCP – que resistiu estoicamente ao terramoto soviético, à derrocada do Muro de Berlim ou ao desaparecimento dos congéneres europeus. A dúvida, agora, é se resiste a si próprio. 

Se é certo que o estratagema da ‘geringonça’ adormeceu a esquerda, a direita não esteve melhor, sobressaindo a inépcia do PSD e do CDS, que têm contribuído para a desorientação do eleitorado.

Tem razão Santana Lopes ao desafiar o eleitor a «sair do sofá». Conviria que desse o exemplo.
Essa anestesia está a deixar marcas. A corrupção é uma delas. Quando a ex-PGR, Joana Marques Vidal, habitualmente reservada, enfatiza que «o Estado está capturado», sobeja-lhe autoridade e domínio profundo dos dossiês para afirmá-lo. E é assustador. 

Por muito menos, o relatório da OCDE, coordenado por Álvaro Santos Pereira, foi censurado, sob pressão do Governo. A ‘prioridade’ na luta contra a corrupção, anunciada por António Costa na comissão política do PS, teve o ‘pequeno’ defeito de ser para a próxima legislatura. 

Na atual, o líder socialista nem lhe sentiu a falta. Recorde-se a propósito que, segundo um relatório divulgado pelo Conselho da Europa, Portugal foi até 2018 o país com a maior proporção de recomendações não implementadas (73%) do Grupo de Estados Contra a Corrupção (GRECO), seguido da Turquia (70%). Estamos em boa companhia…
Ao tempo da maioria absoluta do PS de Sócrates, a promiscuidade política atingiu o auge. Silenciou-se a Justiça ao mais alto nível e silenciou-se a maioria dos media, enquanto a banca, pública e privada, era vítima da gula no ‘assalto ao pote’, como dramaticamente tem ficado demonstrado. 

Com a coligação de esquerda, instalada no poder desde novembro de 2015, se ignorarmos a ‘cortina de fumo’ da propaganda oficial e oficiosa, o retrato da Nação sai opaco. Por alguma razão, Portugal não descola da ‘liga dos últimos’ nos rankings económicos europeus.

A saber: apenas sete dos 28 países da União Europeia têm um PIB per capita abaixo do português – Bulgária, Croácia, Roménia, Grécia, Letónia, Hungria e Polónia. Este resultado refere-se a 2018, o segundo ano consecutivo em que divergimos da média europeia. 

Desde 2015, Portugal foi ultrapassado por três países – Estónia, Lituânia e Eslováquia. A perspetiva para 2019 é que o fosso se agrave. 

A Comissão Europeia estima que a economia portuguesa cresça cerca de 1,7%. São poucos os que nos acompanham nesse ritmo anémico. Mas Centeno está feliz com os resultados e Costa não o censura pelas cativações. As ‘vacas não voam’ e estão no osso, mas para ambos nunca estiveram tão lustrosas. É o estado de negação. 

Por alguma razão um estudo recente revela que Portugal é o terceiro país no mundo (em 50…) que se sente menos representado pelo Governo, e onde os cidadãos sentem que a sua voz pesa menos em termos políticos. O espelho não engana…