O deputado socialista Hugo Pires, através da sua empresa imobiliária, despejou na passada sexta-feira de manhã os comerciantes da Livraria Mavy, no centro histórico de Braga, apesar de terem contrato de arrendamento válido até ao ano de 2034 e as rendas sempre em dia. A advogada dos despejados vai interpor, esta segunda-feira, uma providência cautelar, alegando a “ilegalidade” da ação, para além de que o espaço será destinado a alojamento local, o que Hugo Pires já desmentiu.
A meio da manhã, duas agentes de execução, acompanhadas de dois agentes da PSP que trajavam à civil, mandaram mudar as fechaduras. Ana Morgado, comerciante, defendeu ao i que estão a ser vítimas de uma “injustiça”, argumentando que existe um “contrato de arrendamento válido até ao ano de 2034”. Os responsáveis pelo espaço decidiram interpor uma providência cautelar para manter os postos de trabalho. “Além de mim são três postos de trabalho que se perdem e nós nunca deixámos de cumprir as nossas obrigações, pagando sempre a renda, dia 2 de cada mês”.
Para Hugo Pires, “não se trata de despejo algum, mas do cumprimento de uma ordem do tribunal, o mesmo tribunal que nos vendeu o edifício livre de todos e quaisquer encargos e ónus”, justificou, referindo que a compra do imóvel decorreu de uma venda judicial na sequência da execução de uma hipoteca bancária, não existindo contrato de arrendamento. “Se algo para trás não está correto, os comerciantes terão de se entender com os antigos proprietários”.
Hugo Pires, que se destacou sempre como um crítico contra a especulação imobiliária e foi coordenador do Grupo de Trabalho da Habitação, Reabilitação Urbana e Políticas de Cidades, que no Parlamento gizou a nova Lei de Bases da Habitação, nega qualquer tipo de ilegalidade, argumentando que apesar do arrendamento, o imóvel foi vendido livre de encargos, pelo que, na sua perspetiva, “os comerciantes estavam a ocupar um espaço de forma ilegal”, tendo por isso obtido um título executivo do tribunal autorizando o despejo – termo que não aceita, referindo que “o espaço é nosso”, da imobiliária, que o adquiriu por 285 mil euros.
Arquiteto de profissão, Hugo Pires, ex-vereador de Mesquita Machado, conhecido então por “supervereador” por ter os principais pelouros, incluindo o Urbanismo e Reabilitação, foi quem em 2013, no último ano do seu mandato, emitiu um parecer técnico positivo de alteração de uso comercial do espaço, segundo os comerciantes despejados, dois irmãos, Ana Morgado e Filipe Morgado, que detinham na Mavy uma livraria, galeria de arte, espaço de concertos e outras atividades culturais, sendo já lugar de culto na cidade.
Considerado “espaço com alma” pela Câmara Municipal de Braga, o Mavy está instalado na Rua D. Diogo de Sousa, no rés-do-chão da antiga Livraria Cruz, mais tarde Livraria Bertrand Cruz, conhecido agora pela sua esplanada, preferida dos turistas que se deslocam cada vez mais à cidade de Braga, como já vem sucedendo em Lisboa e no Porto.
Segundo o i apurou, o contrato de arrendamento foi celebrado em 2012, quando tinha sido feita uma hipoteca voluntária pelos proprietários que, não tendo cumprido com todas as obrigações bancárias, viram o edifício centenário ser vendido judicialmente, em hasta pública, no ano de 2015, com o compromisso anterior de estar livre de qualquer ocupação, mas a advogada Patrícia Campos, defensora dos comerciantes, vai recorrer.
“Nós nunca nos opusemos a celebrar um contrato de arrendamento com eles, enquanto da parte deles era dito que já tinham um anterior contrato, mas ninguém, nem o Tribunal que nos vendeu o edifício, reconhece ou alguma vez teve sequer conhecimento da situação”, disse ao i Hugo Pires, sócio da CRIAT Imobiliária, onde detém 20% das quotas.
O caso veio a público na semana passada. João Paulo Batalha, presidente da associação Transparência e Integridade, considerou que o facto de Hugo Pires ter uma participação numa imobiliária, sendo coordenador do Grupo de Trabalho de Habitação, Reabilitação Urbana e Política de Cidades no Parlamento, constituía um “potencial conflito de interesses”. A detenção de uma quota na CRIAT Imobiliária foi apreciada pelo Parlamento no final do ano passado, tendo um parecer da subcomissão de Ética, citado pela revista Sábado, concluído não haver “qualquer incompatibilidade ou impedimento na assunção pelo Deputado Hugo Pires das funções de coordenação do Grupo de Trabalho da Habitação”. O parecer foi solicitado pelo próprio previamente à tomada de posse como coordenador do grupo.
Entretanto, uma petição contra o fecho do espaço reúne já perto de 2 mil assinaturas. “O deputado Hugo Pires quer fechar a Livraria Mavy e tornar o espaço alojamento local, fechando assim um estabelecimento diurno e noturno que muito fez pela noite Bracarense apoiam vários projetos que decorrem durante o ano na cidade de Braga e arredores. Não podemos deixar que esta barbaridade aconteça. Não podemos deixar morrer um espaço que é gerido por uma pessoa, Filipe Morgado, que sempre fez questão de preservar todas as características e nomes dos espaços que abriu na cidade”, lê-se na iniciativa.