A viagem à Lua

Atrevo-me a dizer que a ida à Lua representou a prova perante o mundo inteiro de que o comunismo não era imparável, como chegou a pensar-se

Ao contrário de muita gente da minha geração, nunca apreciei especialmente a ficção científica. Nem na literatura nem no cinema. Por isso, não li muitos dos livros de Júlio Verne, que o meu irmão mais velho devorava. Tínhamos lá em casa a coleção completa, nuns volumes de capa vermelha que a nossa mãe herdara do avô. 

Também por isso não li os livros de Hergé sobre Tintin na Lua. Nem vibrei com o celebrado 2001: Odisseia no Espaço, de Kubrick.

Sempre gostei mais de ler (e escrever) sobre o presente e o passado do que sobre o futuro. Mas em 1969 não deixei de me deslocar a casa de um amigo que tinha TV – os meus pais sempre resistiram à entrada do televisor em casa – para ver a chegada do homem à Lua.

Ultimamente voltou a pôr-se em causa a veracidade da viagem. Um amigo cético escrevia-me há umas semanas: «Faz algum sentido gastarem-se fortunas para ir buscar uns calhaus à Lua?».

Claro que o problema não eram os calhaus. O que estava em causa era uma competição feroz entre a URSS e os EUA pela conquista do espaço. Estávamos no auge da guerra fria, a URSS queria mostrar o poderio da revolução soviética e a superioridade do comunismo sobre o capitalismo, e a corrida ao espaço era talvez a mais espetacular manifestação dessa competição. 

A URSS adiantou-se, enviou o primeiro satélite para o espaço – o célebre Sputnik – e o primeiro animal – a famosa cadela Laika -, e a resposta dos americanos foi a ida à Lua. 

Diziam os especialistas que não seria esse o objetivo cientificamente mais importante. Mas era o mais espetacular. Colocar um homem na Lua, do ponto de vista mediático, relegou a União Soviética para segundo plano na conquista do espaço – do qual nunca mais recuperou.

Atrevo-me a dizer que a ida à Lua representou psicologicamente o primeiro grande revés do comunismo perante o capitalismo. E a prova perante o mundo inteiro de que o comunismo não era imparável, como chegou a pensar-se.

Nestas celebrações dos 50 anos da ida à Lua vi por acaso na SIC um documentário que me alertou para questões em que nunca tinha pensado – relacionadas não tanto com o imaginário ou com a história mas com a física.

As sucessivas barreiras que a operação Apollo 11 tinha de ultrapassar nessa arriscada viagem eram de tal modo difíceis que a empreitada parecia impossível.

O arranque de Houston da nave espacial Columbia, com a ajuda de um enorme foguetão, foi o passo mais fácil. Daí para a frente é que seriam elas.

Posta a nave na órbita da Terra, como um qualquer satélite, o passo seguinte era fazê-la sair dessa órbita e entrar no espaço aberto – para o que era preciso novo esforço. Conseguiu-se. Apontada a nave à Lua, devia entrar depois na sua órbita, ficando a girar à volta dela. Não era pera doce, mas conseguiu-se também. 

Feito isto, a Columbia deveria largar o módulo lunar – chamado Eagle -, que transportava às costas, e este ‘aterrar’ na superfície da Lua com dois homens dentro. Mesmo tendo em conta que a atração da Lua era muitíssimo inferior à da Terra, a ‘aterragem’ não terá sido nada fácil. O módulo lunar – que parecia uma aranha, com um corpo e quatro patas – quebrou aliás uma das patas ao poisar, embora sem consequências.

Depois foram os passos históricos do homem na Lua. Que proporcionaram as imagens mais espetaculares, mas constituíam a parte mais fácil do programa. Eram os primeiros seres humanos que, com os pés noutro chão, olhavam para a Terra de fora como uma esfera no espaço e pensavam: ‘É ali que vivem as nossas famílias’.

Depois tratava-se de voltar. Primeiro era preciso descolar da Lua. E aí o botão da ignição do motor da Eagle encravou, e os homens estiveram na contingência de não poder sair. Mas a questão resolveu-se. A Eagle elevou-se no espaço para entrar em órbita lunar e – muito mais complicado – acoplar à nave, que entretanto continuara a dar voltas à Lua. Mas conseguiu-se. A Eagle acoplou mesmo à Columbia, e os dois astronautas que transportava passaram de um sítio para o outro, juntando-se ao colega que tinha ficado na nave principal. 

O próximo desafio era sair da órbita lunar – operação que exigia nova força de propulsão e mais gasto de combustível. Conseguiram. Partiram a caminho da Terra, onde os esperava outro momento tremendo: a entrada na atmosfera. Esta deu-se a 40.000 Km/h, ou seja, uma velocidade 200 vezes superior à dos bólides de F1! O atrito foi enorme, o aquecimento gigantesco; para se proteger, a nave ia equipada com um poderosíssimo escudo térmico, que aguentou firme. 

Foi esse, segundo os astronautas diriam depois, o pior momento que viveram.

Posta a Columbia a circular de novo à volta da Terra, o resto já foram peanuts: a cápsula libertou-se da nave, abriu os paraquedas e caiu no mar, no sítio previsto. Ainda dentro da casota, foram saudados pelo Presidente Nixon, que se deslocara ao local para os receber.

Saída da Columbia da órbita da Terra; entrada na órbita da Lua; ‘aterragem’ na Lua; descolagem da Lua e reentrada na sua órbita; acoplagem à Columbia; saída da órbita lunar em direção à Terra; entrada na atmosfera.

Foi esta sucessão de delicadas operações  tecnológicas que a Apolo 11 teve de ultrapassar. E eram tão difíceis, que muitos desconfiaram da veracidade do empreendimento. Resta dizer que os três astronautas não quiseram voltar ao espaço. O deus que os protegera poderia voltar-lhes as costas…