Nunca tinham sido realizadas tantas deslocações de funcionários consulares para resolver problemas com a comunidade portuguesa espalhada pelo mundo, como no primeiro semestre de 2019. Os números da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas mostram que os funcionários consulares percorreram 197 mil quilómetros para chegar a 152 localidades, um pouco por todo o globo, onde a comunidade portuguesa e lusodescendente não tinha acesso a serviços consulares. Mais de 26 mil utentes puderam tratar de assuntos como a renovação e regularização de documentos ou efetuar atos de notariado sem se deslocarem até postos consulares muitas vezes longínquos – alguns deles a dezenas de milhares de quilómetros de distância. O aumento notou-se sobretudo na Venezuela e no Reino Unido.
O secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro, afirmou ao SOL que através das permanências consulares «economizam-se deslocações de centenas de quilómetros e de várias horas aos cidadãos, garantindo um atendimento qualificado». A maioria dos serviços consulares requisitados por portugueses no estrangeiro foram pedidos de emissão e renovação de documentos de identificação (que compuseram 44% dos atos consulares), enquanto 17% foram de emissão de documentos de viagem. Apenas 2% dos pedidos foram relativos a recenseamento eleitoral – devido ao recentemente estreado recenseamento automático.
Para o secretário de Estado, o aumento verificado no primeiro semestre deste ano, tanto a nível de deslocações, utentes e serviços consulares efetuados traduz «a proximidade dos serviços consulares para com as comunidades portuguesas residentes em locais mais remotos».
Se muitos consulados têm feito muitas deslocações – como os consulados portugueses em São Paulo ou São Francisco – este semestre houve algumas deslocações inéditas. Como, por exemplo, as efetuadas pelos funcionários do consulado português de Londres às ilhas Bermudas, um território ultramarino britânico – responsável por boa parte dos mais de 14 mil quilómetros percorridos pelos funcionários do consulado londrino.
Ainda assim, quem mais se deslocou foram os funcionários consulares de Sidney, na Austrália, que percorreram mais de 22 mil quilómetros na gigantesca ilha-continente. Foram seguidos de perto pelos funcionários consulares de Maputo, em Moçambique, que percorreram mais de 18 mil quilómetros, a maioria deles feitos em visitas ao Quénia. O secretário de Estado menciona que estes resultados não seriam possíveis sem «a disponibilidade dos trabalhadores consulares para abraçar esta missão de grande importância para os cidadãos» – notando que esse esse esforço «obriga a deslocações do normal local de trabalho».
Instabilidade na Venezuela
Onde o aumento de deslocações de funcionários consulares foi mais notório foi – como seria de esperar – na Venezuela e no Reino Unido, face à instabilidade política em ambos os países, onde existem comunidades significativas de portugueses e lusodescendentes. «No caso da Venezuela, procedemos à contratação de mais colaboradores para os postos consulares, o que permitiu aumentar o número de permanências consulares», explicou Carneiro. O motivo destas medidas foi a importância da acessibilidade destes serviços «numa altura em que grandes dificuldades económicas e sociais afetam a comunidade portuguesa».
Recorde que a Venezuela enfrenta uma brutal crise económica, agravada pelas pesadas sanções norte-americanas ao país. Além da instabilidade política que é regra desde que o Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, suspendeu a Assembleia Nacional – a que se seguiu a autoproclamação de Juan Guaidó como Presidente interino.
Entretanto, Portugal reconheceu Juan Guaidó como chefe de Estado, seguindo a orientação europeia. Isto apesar de, na prática, Guaidó ter pouco ou nenhum controlo sobre os órgãos de Estado – obrigando Portugal a depender do Executivo de Maduro para proteger os direitos dos cidadãos portugueses no país. «Há níveis da cooperação que não dependem do regime político que está momentaneamente no poder. A relação Estado a Estado tem sido estável, pese embora a nossa posição política», disse em junho Carneiro, em entrevista ao SOL. O reconhecimento de Guaidó já tinha sido
Complicações com o Brexit
«No caso do Reino Unido o reforço dos atendimentos enquadra-se no Plano de Contingência para reforço do atendimento aos cidadãos», afirmou o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas. Este reforço está em linha com as orientações de Bruxelas, que pediu aos Estados-membros para se prepararem para uma saída-não negociada do Reino Unido da União Europeia – que parece cada vez mais provável a cada dia que passa.
Note que o novo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, não mostra quaisquer receios quanto às consequências de uma saída não-negociada. O mantra de Boris – uma personagem chave da campanha pelo ‘sim’ no referendo do Brexit – continua ser sair da UE a 31 de outubro, a data limite para a saída do Reino Unido – seja em que condições for. Em entrevista, Carneiro alertou que o essencial para os portugueses no Reino Unido é a obtenção do estatuto de residente. «Caso não haja acordo, os portugueses terão até ao fim de 2020 para poderem pedir o estatuto de residente. Com acordo, é até ao fim de 2021», explicou.