Aqui ao lado, Espanha

António Costa deu o abraço de urso ao BE e ao PCP, rumo à segunda maioria absoluta do PS, com a ajuda de Marcelo

António Costa definiu como seu objetivo primeiro, e do PS, a conquista da maioria absoluta nas legislativas de 6 de outubro.

E em todas as intervenções públicas – entrevistas, debates, discursos comicieiros, declarações aos jornalistas (ele e os outros, de Mário Centeno a Carlos César, de Ana Catarina Mendes a Pedro Silva Pereira) – segue a cartilha já bem definida para a prossecução desse objetivo.

Que até há meses parecia longínquo, ou mesmo impossível, mas que veio a tornar-se cada vez mais alcançável, e provável, à medida que se vai aproximando o dia da ida às urnas.

Por mérito do PS, de António Costa, de Mário Centeno, de Pedro Nuno Santos, de Marcelo Rebelo de Sousa; por demérito do PSD, de Rui Rio, do CDS, de Assunção Cristas, de Marcelo Rebelo de Sousa. E demérito também do BE e do PCP, que nestes quatro anos se deixaram enlevar pelo abraço de urso do PS.

Até José Sócrates, com a sua resposta às provocações de Costa, veio dar útil ajuda ao atual líder socialista: Sócrates tem toda a razão no que escreve, mas o que resulta para o povo é o agastamento e distanciamento do antigo líder e primeiro-ministro em relação ao atual – o que não podia ser mais oportuno e benéfico para Costa, que lhe devia até agradecer a saída a terreiro, se pudesse.

No prosseguimento da sua estratégia para chamar o voto útil do ‘centrão’, diz António Costa que o pior que podia acontecer a Portugal na noite de 6 de outubro era ficar numa situação como a «daqui ao lado, Espanha».

Vencedor das eleições com maioria relativa, Pedro Sánchez anda há meses a lutar pela construção de uma solução tipo ‘geringonça’ à portuguesa, ou melhor ‘à Costa’, sem sucesso. Porque o Podemos, de Pablo Iglesias, não abdica de ter pastas ministeriais e de se sentar à mesa do Conselho de Ministros para garantir o apoio parlamentar de que o PSOE precisa.

Tal como Catarina Martins já disse que reclamará caso o PS não obtenha maioria absoluta – e, mais uma vez, Costa bem pode agradecer a posição do BE, que assim também contribui para o desequilíbrio da balança do ‘centrão’ para o lado socialista.

Costa sabe que afastar o cenário de uma possível entrada do BE no Governo é a melhor forma de não hipotecar a conquista de votos à sua direita. E afastar liminarmente essa hipótese funciona como mais um piscar de olho a esse eleitorado.

Por isso, também, insiste em afirmar que a «alternativa natural ao PS é o PSD», que sabe que, com Rui Rio, não é alternativa a coisa nenhuma, ainda para mais posicionando-se este (e pretendendo posicionar também o partido) à ‘esquerda’.

Um erro grosseiro. Rui Rio e o PSD já deviam ter percebido há muito que a social-democracia é o campo em que hoje se move o PS de António Costa, de Centeno, de Siza Vieira, de Carlos César, de Matos Fernandes – pois se até Catarina Martins chega a ter o topete de se reclamar social-democrata… 

Para haver alternativa, Rio e seus pares teriam de ter tido a sapiência de terem recolocado o PSD como partido de centro-direita, liberal, com propostas criativas e arrojadas e verdadeiramente distintivas das socialistas.

Bastava, aliás, terem olhado para «aqui ao lado, Espanha».

É que Espanha, mesmo ingovernável – como diz António Costa -, mesmo sem Governo e sem uma maioria parlamentar capaz de gerar uma solução governativa estável, continua a crescer mais do que Portugal. Como cresceu mais do que Portugal nos últimos quatro anos.

É que Espanha, mesmo com um líder fraco e sem carisma como Mariano Rajoy, ainda assim teve mais investimento público nos últimos anos do que Portugal – que então nesta matéria está mesmo no extremo da cauda da Europa.

É que Espanha, em matéria de infraestruturas – para além da rede viária, em que Portugal não está mal servido -, está já a anos luz de Portugal, tanto no que toca à rede de aeroportos e aeródromos, como, sobretudo, na rede de oleodutos e gasodutos e, principalmente, na rede ferroviária, com alta velocidade a ligar o país todo ao resto da Europa (excluindo apenas Portugal), tanto no norte (Galiza incluída, até Vigo), como no centro (até à fronteira de Badajoz) e no sul (de Sevilha a Málaga). Enquanto Portugal fica refém de umas dezenas de motoristas e não tem alternativas.

Só isso faz com que os espanhóis, mesmo sem solução de Governo e no meio da maior das instabilidades políticas, tenham muito mais razões para terem esperança no futuro do que os portugueses mais a sua estabilidade governativa de esquerda.

Já agora, bastava ao PSD comparar o ordenado mínimo nacional «daqui ao lado, em Espanha» (900 euros) e verificar que é já uma vez e meia o ordenado mínimo nacional português, aproximando-se mesmo do ordenado médio em Portugal.

Há décadas que os portugueses já não vão a Espanha comprar guloseimas, álcool e charutos, como iam quando tinham mais poder de compra do que os espanhóis, nos idos anos 70 e 80 do século passado.

Agora, só lá vão, os da raia, para abastecer o carro ou o camião de combustível ou comprar bilhas de gás, porque a carga de impostos nesses bens de primeira necessidade nada tem a ver com a desmesurada e injustificada carga de impostos em Portugal.

E o que nos vale é que, apesar de tudo, os espanhóis, cada vez com mais poder de compra comparativamente com os portugueses, continuam a escolher Portugal para fazer as suas compras e passar as suas férias, assim como nós fazíamos, ao contrário, há mais de 30 anos.