Como é diferente o comércio em Portugal

Foi o El Corte Inglés que se rendeu à nossa maneira de ser: a facilidade, a conveniência e a cortesia ficaram retidas na fronteira

Corriam os anos 60 quando, à boleia dos amigos que já tinham carta, comecei a rumar a Badajoz e a Vigo, com o espírito aventureiro de quem ia ao estrangeiro. No caso, modestamente, para provar a coca-cola − que o Dr. Salazar não deixava entrar em Portugal − ou para comprar lavanda Puig e brandy Osborne, no incontornável El Corte Inglés.

Sucessivos anúncios da instalação em Portugal frustraram as expectativas de termos um ‘grande armazém’ na nossa terra, e tivemos de esperar pelo século XXI para ver o sonho tornar-se realidade. Os bons espíritos acreditaram que seria um desafio para o comércio local, forçado a modernizar-se para competir com um player de uma liga superior. Puro engano! Afinal, foi o El Corte Inglés que se rendeu à nossa peculiaríssima maneira de ser: a facilidade, a conveniência e a cortesia ficaram retidas na fronteira.

Por lá, há sempre alguém pronto a atender, com o sorriso natural de quem gosta do que faz; em Lisboa, para encontrar um empregado, é preciso rodar a cabeça 360 graus e, mesmo assim, ninguém à vista! O pobre cliente tem, então, de passar ao plano B: calcorrear meio piso para encontrar alguém que, contrariado, fará o favor de se deslocar até onde está o que queremos. Outra surpresa, em Portugal as caixas raramente funcionam – avaria, má ligação à rede, falta de papel na impressora, o que seja – com uma certeza: a frequência com que somos convidados a passar a outra caixa não é normal.
 
Não tenho contas a ajustar com o El Corte Inglés e, se aqui o chamo, é só para ilustrar a forma como, em geral, tudo se transvia quando passa o Caia. Procure o leitor uma clínica privada, um restaurante, uma cafetaria, uma padaria 2.0, ou até uma loja de marca internacional, que tenham mantido a qualidade de serviço por mais de dez anos e compreenderá o que quero dizer.  

Por mais de vinte anos, trabalhei na Baixa, mas raramente aí fiz compras, porque entrar numa loja significava irritação e desperdício de tempo. Cedo concluí que, perante as alternativas de fazer mais negócio ou poupar nas folhas de salários, a maioria dos patrões portugueses prefere a segunda, o que se traduz no serviço a contragosto, com que tantas vezes nos deparamos. Mas quem poderá exigir mais a pessoas que não recebem formação, ganham a miséria do salário mínimo e estão sujeitas a irem para a rua ao menor enfado do patrão?
 
Durante esses longos anos acabava por comprar em Paris, onde tinha de ir regularmente, o que não conseguia em Lisboa, não por ‘ser chique’, mas porque aí as lojas são amigas dos clientes: preço igual, escolha maior e sem o incómodo de ver três empregados à volta de um cliente, com todos os restantes em espera.   

Professor da Escola Superior de Comércio, Fernando Pessoa sabia do que falava quando escreveu: «Nenhum patrão tem o direito de justificar os erros da empresa com a incompetência dos empregados. Tem, quando muito, de queixar-se da sua própria incompetência, por não saber recrutar bons trabalhadores».