Banca. Clientes podem recorrer à justiça

Em causa está a decisão da Concorrência que multou 14 bancos pela prática de cartel no crédito, nomeadamente na habitação. Prática durou 10 anos e prejudicou clientes.

Banca. Clientes podem recorrer à justiça

Quem pediu um crédito entre 2002 e 2013 a um dos 14 bancos apanhados no cartel denunciado pela Autoridade da Concorrência poderá avançar com um pedido de indemnização. Ao que o SOL apurou, os consumidores poderão alegar que não tiveram direito às condições mais vantajosas, o que ganha maiores proporções no caso do crédito à habitação. «É inequívoco que os consumidores afetados pela prática do cartel podem atuar judicialmente contra os bancos», diz ao SOL Daniela Guimarães, advogada e sócia da Vieira Advogados.

E dá uma explicação: a prática concertada das instituições financeiras levou a que, contrariamente à evolução da Euribor, os spreads aplicados a novas operações de crédito à habitação registassem uma subida acentuada, a partir de meados de 2008. Esta subida, por sua vez, acabou por atenuar a redução da taxa de juro que decorreria naturalmente da descida da Euribor. «Quem contraiu empréstimos junto destas instituições entre 2008 e 2013 pagou uma taxa de juro superior à que lhe seria aplicável se não fosse a prática de cartel. A isto acresce o facto desta partilha de informações sensíveis entre bancos eliminar a concorrência entre os mesmos. Se A sabe que B só oferece 1,5%, não tem qualquer razão para oferecer menos do que isso aos seus clientes já que estes não têm grande alternativa». E lembra: «Deixando de haver pressão concorrencial, o consumidor não tem hipótese de procurar melhores alternativas na concessão de crédito sujeitando-se, assim, a taxas fixas que em nada obedecem ao funcionamento normal do mercado».

Quanto ao prazo para avançar com o processo, Daniela Guimarães diz ao SOL que poderá ter efeitos «a partir da data da decisão da Autoridade da Concorrência que classifica o comportamento dos bancos como sendo prática de cartel». Em relação ao valor, «a mesma compreende o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, calculados desde o momento da ocorrência do dano». 

Já Paulino Brilhante Santos, advogado e sócio da Valadas Coriel & Associados, tem algumas dúvidas face à complexidade do processo. «Não sendo legalmente inconcebível que os consumidores lesados se unam para pedirem aos bancos uma indemnização por esses danos sofridos, na prática um tal processo seria muito complexo e difícil. Tratar-se-ia de provar o valor dos danos sofridos o que só se poderia fazer comparando o preço e encargos dos contratos de crédito celebrados no âmbito de um cartel ilegal sancionado agora pela Autoridade da Concorrência com o valor que os mesmos consumidores poderiam ter pago caso o mercado tivesse funcionado em regime de concorrência sem a distorção provocada pelo cartel com o conluio para a fixação dos preços», esclarece ao SOL. E, por isso, de acordo com o responsável, a Concorrência «aplicou aos bancos uma multa pesada já que esta ação é a única forma de dissuadir as empresas de centrarem em conluios ou acordos visando a distorção da concorrência».

Em causa está a decisão da AdC de condenar 14 bancos ao pagamento de coimas no valor global de 225 milhões de euros por prática concertada de troca de informação comercial sensível, entre 2002 e 2013. Segundo o regulador, existiu troca de informação sobre práticas comerciais internas no crédito ao consumo, habitação e a empresas. BBVA, BIC (por factos praticados pelo BPN), BPI, BCP, BES, Banif, Barclays, CGD, Caixa de Crédito Agrícola, Montepio, Santander (por factos por si praticados e pelo Banco Popular), Deutsche Bank e UCI foram as instituições financeiras condenadas.
Também a Associação de Defesa do Consumidor está a ponderar avançar com uma ação coletiva contra os bancos.

«Temos de analisar em detalhe e verificar se existe espaço de manobra para outras ações e se houver avançaremos», diz a entidade. Mas deixa uma alerta: «Estamos a falar de um processo complexo, com muita informação. Mesmo do ponto de vista jurídico é denso», o que pode dificultar uma ação que leve à indemnização dos clientes. No entanto, lembra que «nada impede que cada consumidor a nível individual avance e aí poderemos prestar a nossa ajuda».

Como funcionava o cartel? Segundo a entidade liderada por Margarida Matos Rosa, «neste esquema, cada banco facultava aos demais informação sensível sobre as suas ofertas comerciais, indicando, por exemplo, os spreads a aplicar num futuro próximo no crédito à habitação ou os valores do crédito concedido no mês anterior, dados que, de outro modo, não seriam acessíveis aos concorrentes». Cada banco sabia com particular detalhe, rigor e atualidade as características da oferta dos outros bancos, o que, no entender da Concorrência, «desencorajava os bancos visados de oferecerem melhores condições aos clientes, eliminando a pressão concorrencial, benéfica para os consumidores».

Mão pesada para a Caixa 

A Caixa Geral de Depósitos foi o banco que teve a multa mais elevada no valor de 82 milhões de euros, mas já veio garantir que vai recorrer da decisão para tribunal. A instituição liderada por Paulo Macedo esclareceu que tomou esta decisão convicta de que os tribunais vão confirmar «a total improcedência e absoluta falta de fundamentação da imputação de regularidades que lhe é feita».

O banco público garantiu ainda que o seu comportamento sempre se pautou pelo objetivo de proporcionar aos clientes uma oferta competitiva, «não resultando aliás da decisão da AdC que as alegadas práticas anticoncorrenciais que lhe são imputadas tenham tido qualquer efeito negativo para os consumidores», acrescentando ainda que o crédito à habitação sempre foi uma área de negócio «com maior número de entidades concorrentes, com entradas periódicas de novos ‘players’ [operadores]», com propostas comunicacionais e de preço agressivas.

Também o BCP anunciou que vai recorrer da decisão depois de ter sido multado em 60 milhões de euros. A instituição financeira agora liderada por Miguel Maya garante que as acusações não estão «adequadamente sustentadas e fundamentadas», acrescentando que, ao longo deste processo, instaurado pela AdC em 2012, teve a oportunidade de prestar «todos os esclarecimentos solicitados» e de expor os motivos pelos quais defende que as acusações que lhe foram dirigidas «não se encontravam adequadamente sustentadas e fundamentadas».

O BCP acrescentou ainda que no período abrangido pela decisão está incluído o que corresponde à pré-crise financeira de 2008, no qual se verificaram práticas comerciais «muito competitivas entre instituições», tendo em vista reforçar as quotas de mercado.

Já o Santander Totta foi condenado a 35 milhões de euros e vai também assumir a multa de 600 mil euros ao Banco Popular – que entretanto comprou –, e também ele irá recorrer da decisão da Concorrência. «Vamos recorrer. A decisão para o Santander Totta não faz qualquer sentido e vamos recorrer da decisão para os tribunais», segundo fonte oficial.

O mesmo caminho vai ser seguido pelo BPI que foi alvo de uma coima de 30 milhões de euros, defendendo que «a alegada troca de informação tenha ocorrido nos moldes alegados na decisão acusatória e considera, em particular, que a informação em causa, pela sua natureza, não poderia produzir efeitos anti-concorrenciais e não prejudicou, de modo algum, os interesses dos clientes».

O Montepio, inicialmente condenado a 26 milhões de euros, viu a multa reduzida para 13 milhões por ter aderido ao programa de clemência. Ainda assim, esta sexta-feira admitiu recorrer da multa. «O Banco Montepio, não se conformando com a decisão, suscetível de recurso para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, adotará todas as medidas necessárias à defesa dos seus melhores interesses», salientou.
Só o Barclays ficou isento de multa por ter sido o banco que informou da concertação.

Já o BES foi multado em 700 mil euros. A responsabilidade de pagar o valor cabe ao BES mau (atualmente em liquidação), e não ao Novo Banco, uma vez que este assumiu responsabilidades do BES excluindo as «decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais, com exceção das contingências fiscais ativas», segundo a AdC. O Crédito Agrícola foi condenado em 350 mil euros. A Concorrência diz ainda que ficou impedida de punir a prática relativamente ao Abanca, também visado na acusação, uma vez que este cessou a prática anos antes dos restantes bancos.

Recorde-se que o montante das coimas aplicadas foi determinado tendo em conta a gravidade e duração da participação na infração por cada banco visado.