«Haja amor»

Independentemente do tipo de amor, é muito importante que, na vida, haja amor para sermos felizes.

Este mural, pintado numa das ruelas que dão acesso ao Castelo de São Jorge, em Lisboa (como indicado pela seta que, ironicamente, aponta o caminho para o «castle») retrata duas pessoas, provavelmente turistas, a passear por Lisboa, bebendo cerveja, muito felizes, enquanto no céu passa uma avioneta com a mensagem «Haja amor».

Na abordagem filosófica ao amor há tipicamente três tipos de amor, definidos pelos gregos: «eros», «philia», e «ágape» ou «caritas». «Eros» é o amor romântico, mas também o que está ligado à falta, ou seja, ao sofrimento; «philia» é o desejo de partilhar a companhia do outro, de querer o seu bem (para Spinoza, não há necessidade de se unir ao ser amado, o amor está associado à alegria da existência do outro); e «ágape» ou «caritas» é o amor que está relacionado com o bem do outro, muito próximo do humanismo cristão.

Independentemente do tipo de amor, é muito importante que, na vida, haja amor para sermos felizes. Sem amor perdemos a experiência de nos vermos na projeção do outro, na vivência com o outro. Diz «A ciência do amor», um poema de Tolentino Mendonça, que cito na sua totalidade: «O amor é um acordo que nos escapa / premissas traficadas sem certeza noite fora / em casas devolutas, em temporais, em corpos que não o nosso / aluviões para tentar de forma contínua / num sofrimento corrosivo que ninguém consegue / não chamar também de alegria // Pensamos que quando chegasse as nossas vidas acelerariam / mas nem sempre é assim: / há emoções que nos aceleram / outras que nos abrandam // Um mês ou um século mais tarde / movem-se ainda, / tão subtilmente que não se notam».

O amor é, pois, um sentimento, uma emoção que nos acelera, tal como nos abranda, que nos traz alegria e, também, naturalmente, sofrimento, e que se move ao longo do tempo, «Um mês ou um século mais tarde». Que o diga quem tem a felicidade de viver o amor toda a vida, os que celebram bodas de prata, de ouro ou de diamante, e os que encontram diferentes tipos de amor ao longo da vida.

E o amor é um dos temas centrais de diversas áreas do conhecimento, como a psicologia e a filosofia. E os filósofos têm dado um contributo importante para definir a palavra «amor».

Sófocles afirmou que «Uma palavra liberta-nos de todo o peso e da dor da vida. Essa palavra é o amor», uma vez que o amor tem um poder de libertação inigualável. Já para Aristóteles, «O amor é formado por uma única alma habitando dois corpos», porque, quando amamos, passamos a ser como um só. Nas palavras de Platão, «Ao toque do amor todas as pessoas se tornam poetas». É o amor que suscita o que há de melhor em nós. Quem ama, vê o mundo mais belo. Por seu lado, disse Voltaire que «O amor é uma lona fornecida pela natureza e bordada pela imaginação», o que significa que o amor é uma dádiva, cuja manutenção depende de nós. Para Erich Fromm, «O amor é a única resposta sã e satisfatória ao problema da existência humana». Nascemos com o desejo de amar e de sermos amados. O amor dá sentido e propósito às nossas vidas.

Apesar de tudo o que já foi escrito sobre o tema do amor, é muito difícil descrever este sentimento por palavras. Apesar de tantas e tão belas definições, o amor verdadeiro é aquele que resiste a qualquer dificuldade, quando estamos conscientes da impossibilidade de satisfação imediata dos nossos desejos, como diz Tolentino Mendonça: «Quem não aceitar, por exemplo, a impossibilidade de satisfação imediata de um desejo dificilmente saberá o que é um desejo (ou, pelo menos, o que é um grande desejo). Quem não esperar pelas sementes que lançar jamais provará a alegria de vê-las acenderem-se sobre a terra como milagre que nos resgata». É este milagre da espera que mantém duas pessoas unidas, pelo amor, «na alegria e na tristeza». Só querendo que o outro também seja feliz poderemos nós próprios ser felizes.

 

Maria Eugénia Leitão