Sexo, drogas e festivais

Antigamente, a música no Verão resumia-se aos cantores pimba. Eram espetáculos destinados ao ‘povinho’. Então, inventaram estes festivais de música para a ‘malta urbana’, ‘culta’.

Não sou fã de hambúrgueres, e acho que em Portugal são desnecessários. Como, aliás, as várias cozinhas estrangeiras. Portugal tem uma culinária tão rica e variada – em carnes, peixes, mariscos, cozidos, grelhados, guisados, assados, estufados, legumes frescos e saladas cruas – que as cozinhas importadas não fazem falta nenhuma. Temos cá muito por onde escolher.

 Mas também não sou fundamentalista. E por isso, quando dá jeito, como um hambúrguer. Ou vou a um restaurante italiano. Ou chinês. Japonês não, embora estejam muito na moda, pois não gosto de sushi. Fui uma vez ao Japão e fiquei vacinado nesse aspeto.

Tudo para dizer que no domingo passado fui almoçar a uma casa de hambúrgueres em Algés. O estabelecimento costuma ter uma razoável clientela, mas nada de extraordinário. Até porque geralmente vou a horas tardias. Mas nesse dia estava a rebentar pelas costuras: o interior abarrotava de gente e os clientes faziam bicha que se prolongava pela rua. Parecia a Feira das Mercês.

Após uns momentos de perplexidade a tentar perceber o que se passava, cheguei a uma conclusão. Do lado de lá da linha de caminho-de-ferro do Estoril estava montado um enorme arraial, com palcos, pavilhões insufláveis e um grande movimento de pessoas. Era um festival de cultura pop, chamado Comic Con. Eu julgava que estes festivais só tinham lugar à noite – e não funcionavam de dia, à torreira do sol. Mas enganava-me redondamente. Ali, viam-se pessoas a andar em todas as direções. Portanto, muitos espetadores tinham atravessado a linha férrea para virem comer aos restaurantes da Marginal.

Observando melhor, comecei a ver que as pessoas que estavam à minha volta na bicha dos hambúrgueres tinham nos pulsos pulseiras coloridas. Eram, portanto, pessoas que vinham do festival – e seguramente para lá regressariam.

No geral eram jovens, mas havia gente madura. Ao meu lado estava um jovem casal, de cerca de 20 anos, ambos andrajosamente vestidos. Ele com um boné enfiado na cabeça, uma barba descuidada, uma t-shirt e uns calções que pareciam apanhados no lixo e umas sapatilhas gastas. Ela demasiado gorda para a sua idade, com uma roupa justa e sem graça que lhe ficava pessimamente.

Durante todo o tempo em que estivemos à espera, não trocaram uma única palavra. Ele não tirou os olhos do telemóvel, com a atenção permanentemente concentrada no ecrã, como se lá acontecessem coisas extraordinárias.

A certa altura, após meia hora de espera, a minha mulher desabafou: «Estou desejosa que o Verão acabe, para acabarem os incêndios e os festivais!». E estava cheia de razão. Os incêndios são um flagelo desta época do ano. Devastam a floresta e destroem a vida de muitas famílias. Ainda há pouco tivemos um exemplo ao pé da porta, num incêndio que ameaçou o nosso monte de Estremoz.

Quanto aos festivais (de música e outros), são uma autêntica praga.

Antigamente, a música no Verão resumia-se aos cantores pimba, que andavam de terra em terra e atuavam em feiras e festas, em cima de palcos improvisados. Eram espetáculos destinados ao ‘povinho’, à gente rude e ‘inculta’ do campo e da província.

Então, inventaram os festivais para a ‘malta urbana’, ‘culta’, ‘erudita’. Malta com ‘mundo’, mais exigente, que quer outros intérpretes. Ora, olhamos para essa ‘malta’ e o que vemos? Vemos aquele casal mal vestido que não troca uma palavra. Vemos gente maltrapilha, sem aprumo, aparentemente sem interesses, agarrada ao telemóvel, que vai aos festivais não para ouvir música mas para se excitar.

De facto, muita da música que se toca nos festivais não é bem música: é ruído. Um ruído tremendo, assustador, destinado a excitar as multidões. As pessoas ficam em transe, abanam os corpos, gritam, como se estivessem num exorcismo.

Tenho dificuldade em imaginar como será o mundo amanhã. Não vejo que com aquela gente se faça alguma coisa de jeito. Gente que só quer pão e circo: comer, beber e excitar-se com doses bombásticas de música ao vivo. E, claro, olhar para o telemóvel. E às vezes snifar e aspirar umas ‘linhas’. Sem esquecer o sexo quando não há mais nada para fazer.

Dir-se-á que sempre foi assim. Que as velhas gerações nunca perceberam as novas e acham que tudo está mal. Mas hoje é diferente. Porque a civilização ocidental está numa fase de decadência – e o dia de amanhã será sempre pior que o de hoje.