Ainvestigação do polémico livro As Gémeas Marotas por «usurpação de direitos de autor» começou devido a uma denúncia da parte da editora original dos livros de Miffy. Contrariamente ao que o padre Gonçalo Portocarrero de Almada havia afirmado na quarta-feira numa publicação na sua página do Facebook, a denúncia não partiu de um «ilustre professor da Universidade de Coimbra» após ler a sua crónica no Observador.
O SOL contactou a editora holandesa Mercis – responsável pelas publicações originais da coleção Miffy, do autor holandês Dick Bruna -, que explicou que teve conhecimento «desta versão erótica das histórias de Miffy no ano passado», quando um das suas editoras, «que estava de férias em Portugal, encontrou o livro numa loja e ficou chocada por este livro ter sido publicado e estar à venda». E acrescentou: «Obviamente não ficámos felizes com este livro. Ela comprou-o, trouxe-o para a Holanda e analisámo-lo. Achámos que o conteúdo era muito desagradável».
A editora argumenta que «uma paródia é algo aceitável e com a qual toda gente tem que viver», mas que esta versão «excede os padrões normais do que se pode fazer numa paródia. Isto é um livro para crianças muito jovens, achamos mesmo perturbador que este livro acabe nas mãos de crianças que não sabem distinguir entre uma paródia e o livro original».
Mais grave ainda, assevera, é o facto de o livro violar os direitos de autor de Dick Bruna. «Como este livro é comercializado e há cerca de 500 cópias vendidas, achamos que é perigoso por ser um produto comercial e não só uma paródia. Para além disso, a pessoa que escreveu, publicou e vendeu este livro está a infringir os nossos direitos de autor e não pode usar o nome de Dick Bruna, ou parte dele», explica a editora em relação ao porquê desta queixa. Recorde-se que As Gémeas Marotas vem assinado com o nome Brick Bruna, um pseudónimo do autor holandês, que morreu em 2017, aos 89 anos.
Apenas uma «pista»
Fonte oficial da Mercis clarifica que foi apresentada uma queixa no ano passado, aquando da descoberta desta versão, aos seus advogados em Portugal, que conseguiram que alguns dos exemplares da obra fossem retirados do mercado. Contudo, este ano surgiram novas queixas de portugueses indignados com o conteúdo deste livro que aparenta ser infantil e isso levou a que fosse feita uma nova queixa às autoridades portuguesas. «Sentimos que esta situação estava a criar dano ao bom nome de Dick Bruna e da personagem Miffy, porque aparentemente as pessoas estavam confusas sobre a origem do livro e perguntavam o que tinhamos a ver com ele».
A mesma fonte confirmou que esta já não é a primeira vez que é feita uma paródia com a personagem Miffy, mas que, no entanto, essas surgem habitualmente em posters ou publicações em redes sociais. «Normalmente não é algo comercializado como aqui, nem num sentido tão confuso para as crianças, porque esta versão tem exatamente o mesmo tamanho, tipo de letra e cor que os originais. Se uma criança encontrar esta versão numa livraria pode facilmente confundir-se. Isto vai muito além que uma paródia normal».
Quanto a quem é o autor e a editora desta versão erótica da coleção Miffy, esses são ainda uma incógnita para a Mercis: «A única pista que temos é a gráfica, mas a questão não é muito clara para nós ainda».
A apreensão das cópias do livro em causa gerou alguma controvérsia nas redes sociais, com alguns utilizadores a questionarem se este não se trataria de um caso de ataque à liberdade de expressão e de censura.
O caso veio a público com uma publicação feita na terça-feira no blogue Uma Bedeteca Anónima, que dava conta de uma ação da ASAE nas instalações da Biblioteca dos Olivais, em Lisboa, considerando-a o resultado de meses de «difamação dos Direitinhas, ultra-católicos e outros elementos burgessos da sociedade laica portuguesa». O texto referia-se à denúncia feita no Observador, criticando o conteúdo da obra.
A denúncia partiu do padre Gonçalo Portocarrero de Almada, da Opus Dei, colunista do Observador, num artigo que publicou no passado dia 7 de setembro. Segundo uma publicação na sua página no Facebook feita na quarta-feira, foi esta sua denúncia que possibilitou a que a investigação a este livro arrancasse. Segundo escreveu, foi depois de ler a sua crónica que um «um ilustre professor da Universidade de Coimbra decidiu contactar a editora de Dick Bruna, o escritor holandês de literatura infantil plagiado nessa edição pirata portuguesa».
Contudo, já na sua edição de quinta-feira o jornal i avançava que fonte da ASAE confirmava que esta apreensão se devia à tal «usurpação de direitos de autor» e que o exemplar retirado da Biblioteca dos Olivais servia para «preservação de prova, nos termos processuais penais», não se tratando de uma questão de censura como o blogue em questão referia.
A própria ASA, editora responsável pela publicação da coleção Miffy em Portugal desde 2002, não tinha, até ao estalar da polémica, conhecimento da existência desta versão erótica do original de Dick Bruna.
Um livro português no Brasil
A obra em questão – uma paródia erótica e sexual da personagem Miffy do autor holandês Dick Bruna – já tinha estado no centro da polémica no início do mês no Brasil. Na altura um grupo do Whatsapp partilhou imagens da edição como estando a ser apresentada na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, que viria a ficar marcada pela decisão do prefeito Marcelo Crivella de mandar retirar do certame um outro livro, de banda-desenhada, Vingadores: A Cruzada das Crianças, por conter um beijo entre duas personagens masculinas. Após um fact-checking, a imprensa brasileira chegou à conclusão de que As Gémeas Marotas não só não estava disponível na Bienal do Rio de Janeiro, como o exemplar em questão tinha edição portuguesa.