De Monsaraz para o centro da Europa

  

Artigo de Ricardo Silva sobre SummerCemp 2019 e a União Europeia

Durante a viagem para Monsaraz, como participante de mais uma edição do SummerCemp, programa organizado pela Representação da Comissão Europeia em Portugal, pensei que estava prestes a passar quatro dias com um grupo de jovens da minha idade, que se dedicariam a bajular a União Europeia, as suas instituições e os seus dirigentes. 

Felizmente, os meus receios não se concretizaram e os 40 participantes não andavam a dormir. Prova disso foram os muitos comentários e perguntas que se fizeram ouvir e que fomentaram um debate muito interessante e com poucos entraves. Os oradores convidados correspondiam a diversas áreas da sociedade, desde jornalistas e assessores, a Diplomatas, Ministros, Investigadores, políticos e empresários, que enriqueceram os temas tratados e multiplicaram as perspetivas a ter em conta, exemplificando como a história das escolhas que fazemos na política, enfim, no coletivo, têm grande impacto na regulação e orientação de toda a sociedade, que muitas vezes não é aparente.

No decorrer de argumentos e contra-argumentos, foi percetível que existe uma distância entre as instituições supranacionais da União Europeia, nas quais delegamos poder, e as populações. Muito do trabalho não é do conhecimento comum, em parte por contar com dinâmicas próprias, mas também por não ser tão noticiado. Apesar dos inúmeros programas, apoios e apelos à participação, abertos a virtualmente todos os sectores da sociedade, incluindo indivíduos e associações, o desconhecimento das oportunidades que a União Europeia facilita, é prevalente e contraproducente. Outros fatores contribuem para este afastamento da UE com os cidades: como um desinteresse por desacordo com práticas das instituições e as suas políticas ou a perceção de que todo esse mundo é demasiado complexo e distante.

Em Monsaraz foi possível aprender mais pela proximidade entre os participantes e os convidados que conviviam com poucos filtros ou protocolos, a partir daí, uma análise ao que não se diz publicamente e ao que é mais controverso no processo histórico e político dos nossos países, tinha assim o seu espaço. Debates que são muitas vezes desconsiderados por se configurarem difíceis ou por exigirem “reformas eurocéticas”, isto é, verdadeiras, que o momento político pouco permite. Foi-me possível ir referindo durante os espaços de maior informalidade o que é chato e fraturante : as desigualdades entre os Estados membros, as dificuldades económicas, a incapacidade de competição de certos estados, a falta de cooperação em algumas áreas, a redução de instrumentos de soberania, a delegação de competências, o neoliberalismo internacional, enfim, processos longos e com muitas ramificações, sem soluções simples e que são regaladas para segundo plano. O breve momento de discussão sobre estes temas é claro insuficiente, cabe a nós perceber para além da aparente luta entre liberais e populistas e precisar o que realmente aflige e põe em causa a União.

Recordo-me que, em muitos debates foi pedido que fosse identificada a posição da UE face a uma determinada questão, mas conseguir o consenso de 28 países não é tarefa fácil (ou até desejável). Por vezes, não ter uma política concertada é a melhor decisão. O espaço da UE é plural, de contradição, de muitas narrativas, de desigualdades sociais e institucionais. Mas na verdade, em termos de competências, os tratados foram assinados com o consentimento dos representantes dos Estados Membros, pelo que devem ser respeitados. Mas é saudável um debate continuo, para colocar sempre em causa os acordos alcançados na expectativa de desenhar novas e mais vantajosas formulações que regulam as partes essências da vida na nossa sociedade europeia. A política competitiva entre países é uma realidade constante, apesar de se inserirem na União, e os tratados e acordos que cimentaram o crescimento desta construção supranacional refletem esses princípios, apesar de proporcionarem à União uma personalidade jurídica própria e uma crescente independência face aos Estados. Assim, todo o debate sobre a União Europeia é útil, o euroceticismo é uma palavra feia e não faz justiça aos que, por conhecerem muito, não tomam o que foi edificado até agora como sacrossanto, e procuram na realidade uma união, mas com outros termos, outras regras e outros princípios, nos quais devemos sempre manter curiosidade.

Parece claro que uma europa unida tem mais poder junto do resto do mundo, mas não deve servir de colete de forças para impedir alterações no que nos diz respeito de forma direta. Não há que fingir que estamos todos do mesmo lado em todos os momentos, diferentes ocorrências nos afligem, diferentes prioridades cada região enfrenta, e não é por passarmos por dores de crescimento que vamos ser percecionados como uma união, num cenário global mais antinómico, fraca ou incapaz. Digo isto por ser um argumento a favor de uma coesão artificial entre os membros. Em princípio, uma divisão enfraquece, e a falta de resposta clara e unitária por parte da União é tida como um falhanço. Note-se as relações de grande complexidade entre a UE e os seus Estados Membros e o resto do Mundo, com as políticas de outras grandes potências, ou parceiros que, pela sua natureza autocrática, facilmente tomam posições unilaterais e desconfortáveis para nós. Querer ser como os outros nesse aspeto, ora por fortalecer certas dimensões da união, como a segurança e a defesa, grandes investimentos para os próximos anos, ou por não admitir dissenso, é um debate de grande importância.

Termino com o que foi em alguns momentos referido durante os dias do SummerCemp: paciência e reflexão para digerir a complexidade dos assuntos que nos afetam coletivamente, enfim, tomar as coisas com um saudável grão de sal. A hostilização de um conjunto de ideias ou hipóteses, gera apenas um não reconhecimento e uma não participação das partes que, invariavelmente, vão continuar a coexistir connosco. Se uma construção política, ou social, não está a correr como esperado, o correto deve ser sempre a reforma e não o uso da falácia do custo irrecuperável. Para mim, o SummerCemp respondeu a muitas perguntas e tornou-me (mais) consciente de que a diversidade política existe, e deve ser reforçada através de mais participação, de mais conhecimento e de mais valorização de nós próprios. O caminho para a melhoria da condição do projeto europeu faz-se partir de experiências falhadas e de tentativas, ainda que para isso, tenhamos que estar disponíveis a reciclar o que já não faz sentido.