Receita fiscal puxa por finanças públicas

Pela primeira vez, Portugal apresentou um excedente de 402 milhões de euros. Aumento da receita mais do que compensou a subida da despesa.

ela primeira vez a execução orçamental em contabilidade pública das Administrações Públicas (AP) até agosto registou uma melhoria de 982 milhões de euros face ao ano anterior, atingindo  neste período um saldo positivo de 402 milhões de euros. Mas, mais uma vez, a fórmula assentou na melhoria da receita fiscal. Um resultado que não surpreende os analistas contactados pelo SOL. Isto porque o aumento da receita de 4,6% mais do que compensou a subida da despesa, em 2,7%, de acordo com os últimos dados divulgados pela Direção Geral do Orçamento (DGO). 
Nuno Melo, Head os Sales da XTB lembra que «a cobrança de impostos tem aumentado devido a bom desempenho da economia nacional e na continuidade da procura interna por via do investimento». Uma opinião partilhada por Pedro Amorim, analista da corretora Infinox ao defender que «o bom desempenho das empresas no último semestre permitiu que a receita do IRC aumentasse e o aumento ligeiro do consumo disparou as receitas com o IVA e o aumento do emprego registado no primeiro semestre».

Pedro Amorim diz, no entanto, que o foco deve assentar sempre ótica da receita. «Já se provou que cortar na despesa só provoca danos à economia e a última vez que foi introduzida essa política Portugal entrou numa espiral recessiva». Ainda assim, considera que as contas poderiam estar melhores se tivéssemos assistido a uma melhoria nos procedimentos burocráticos. «Enquanto não houver uma reforma profunda no Estado não estaremos em condições de atingir o nível das maiores economias europeias», refere ao SOL.

Receita fiscal dispara 

Um dos grandes destaques deste aumento da receita fiscal vai para o IVA que conseguiu arrecadar para os cofres do Estado mais 8,1%, e o Imposto sobre Produtos Petrolíferos, com mais 9,5%. No entanto, o gabinete de Mário Centeno chamou a atenção para a redução das taxas de vários impostos, nomeadamente o IRS (aumento do número de escalões e do mínimo de subsistência), IVA (diminuição da taxa de vários bens e serviços) e ISP (redução da taxa aplicada à gasolina em 3 cêntimos).

«A dinâmica da receita é essencialmente justificada pelo bom desempenho da economia. O comportamento favorável do mercado de trabalho traduz-se na evolução da receita das contribuições para a Segurança Social, que cresceram 8,6% até agosto», salientou o documento.

Despesa sobe mas menos

A despesa primária cresceu 4%, influenciada pelo forte crescimento da despesa do SNS em 5,2%, atingindo máximos históricos. «A despesa com salários aumentou 4,7%, refletindo o processo faseado de descongelamento das carreiras entre 2018 e 2020, destacando-se o crescimento expressivo na despesa com professores (3,9%) e profissionais de saúde (6,9%)», diz o mesmo documento. 

E neste campo, Pedro Amorim admite ao SOL que esta era subida já era expectável. «Quando se fala de uma degradação do SNS hoje em dia, é bom dizer que nunca foi gasto tanto dinheiro na saúde como é gasto hoje na nossa História», acrescentando que «o aumento da despesa dos salários devido ao descongelamento de carreiras na função pública, onde a saúde acarreta o maior valor».

A par deste aumento da despesa, resultado do investimento no SNS e no descongelamento de carreiras que irá terminar em 2020, Nuno Mello chama também a atenção para os gastos relacionados com os apoios sociais. «O apoio aqueles que mais precisam também contribuiu para o aumento das despesas por via das prestações sociais, abonos de família e RSI», diz ao SOL.
E os números falam por si. A despesa com pensões da Segurança Social cresceu 5,4%, «refletindo o facto de a generalidade dos pensionistas ter aumentos nas pensões e de a grande maioria ter aumentos superiores à inflação pelo segundo ano consecutivo, o que acontece pela primeira vez na última década. Acresce ainda o impacto dos dois aumentos extraordinários de pensões, ocorridos em agosto de 2018 e em janeiro de 2019», refere o documento. 
A evolução da despesa é também explicada pelo crescimento das prestações sociais (4,5%), em particular o forte aumento da despesa associada ao abono de família (10,6%) e à Prestação Social para a Inclusão (27,4%). 
O ministério de Mário Centeno chama ainda a atenção para o aumento do investimento público na Administração Central de 24%, excluindo PPP, com destaque para o setor dos transportes sobretudo na CP (79%) e Infraestruturas de Portugal (26%).

Pagamentos em atraso descem 
Os pagamentos em atraso caíram 208 milhões de euros face a igual período do ano anterior, «explicado em grande medida pela diminuição de 186 milhões de euros nos Hospitais E.P.», diz a DGO. No entanto, em comparação com o mês anterior, os pagamentos em atraso (dívidas por pagar há mais de 90 dias) aumentaram em 46,6 milhões de euros.
 Este aumento ficou a dever-se, sobretudo, à evolução nos hospitais EPE (mais 36,4 milhões de euros) e na administração regional (mais 8,1 milhões de euros).

Já em relação ao comportamento até ao final do ano, as opiniões dos analistas contactados pelo SOL dividem-se. Nuno Mello acredita que  «será expectável a manutenção deste ritmo de crescimento nas receitas e também nas despesas», enquanto Pedro Amorim admite que «os valores vão descer, devido ao arrefecimento económico que estamos a registar». Mas garante: «Nada de especial para ‘soar os alarmes’ por agora».