Rodrigo faz soar alarmes

Bastonário pede ao Conselho Superior da Ordem para verificar os procedimentos seguidos pelo conselho disciplinar. Obstetra que não detetou malformações em bebé que nasceu em Setúbal já tinha cinco processos disciplinares em curso e ainda não tinha sido ouvido.

Obastonário dos Médicos vai pedir ao Conselho de Superior da Ordem para verificar os passos seguidos pelo conselho disciplinar regional do sul perante os casos que envolvem o obstetra Artur Carvalho, o médico que está agora a ser investigado pelo Ministério Público depois de uma criança ter nascido a 7 de outubro com malformações graves  que não foram detetadas nas ecografias de vigilância na gravidez. Antes deste caso havia cinco processos diciplinares em curso contra o mesmo médico, o mais antigo de 2013, mas o obstetra ainda não tinha sido ouvido.

Miguel Guimarães solicitou também ao conselho disciplinar que convoque de imediato os seus membros para inquirir o médico, o passo necessário para que possa eventualmente ser decretada a suspensão preventiva do obstetra que até aqui continuava a exercer na Eco Sado, a clínica privada em Setúbal onde a mãe de Rodrigo fez as ecografias durante a gravidez, e no Centro Hospitalar de Setúbal, onde a criança veio a nascer e onde os especialistas lhe deram pouco tempo de vida. «Se o conselho disciplinar não atuar, não posso fazer mais do que isto», disse Miguel Guimarães aos jornalistas esta sexta-feira.

De acordo com os estatutos disciplinares da Ordem, a suspensão preventiva pode ser decretada quando haja indícios de prática de infração disciplinar à qual corresponda uma das sanções mais graves – suspensão até ao máximo de dez anos ou expulsão.

Segundo o SOL apurou, o Hospital de Setúbal desconhecia a existência de processos disciplinares em curso na Ordem dos Médicos relacionados com o obstetra Artur Carvalho. Os hospitais só são informados pela Ordem da existência de queixas e processos disciplinares quando envolvem a atividade dos médicos nas instituições, no momento em que são solicitados os processos dos doentes, e mesmo aí não têm conhecimento do teor das queixas.

Quando se trate de atividade fora do hospital, não está prevista a notificação ainda que em caso de perigo para a saúde pública isso possa acontecer, o que até aqui não se tinha verificado relativamente a este médico, não obstante não ser a primeira vez que surge associado a casos de não deteção de malformações durante a vigilância da gravidez.   Esta sexta-feira o Ministério da Saúde pediu esclarecimentos à Ordem sobre os processos relativos ao obstetra. Também o Hospital de São Bernardo anunciou a abertura do inquérito. 

Oito anos de suspeitas
Artur Carvalho já tinha sido alvo de um inquérito do Ministério Público em 2011 num outro caso em que malformações graves também não foram detetadas durante a gravidez, um processo que viria a ser arquivado, confirmou ao SOL a Procuradoria Geral da República. 

Na altura, a queixa foi feita pela família de Luana, que nasceu no Hospital Amadora-Sintra sem céu da boca e queixo e com as pernas ao contrário. A gravidez foi seguida no centro de saúde da Amadora e as ecografias foram feitas por Artur Carvalho na clínica Rui Machado, onde já não trabalha. Pela mesma altura, uma segunda mulher denunciou à comunicação social que a sua filha tinha morrido com uma malformação congénita cardíaca que não tinha sido detetada pelo mesmo médico, que na altura trabalhava na clínica Rui Machado na Amadora, onde já não faz exames.
Nessa altura o processo aberto pelos órgãos disciplinares da Ordem foi também arquivado. A Inspeção Geral das Atividades em Saúde, que adiantou ao SOL não ter recebido ainda qualquer participação sobre este novo caso, instaurou também na altura um processo de inquérito pelo nascimento de uma criança com malformações, mas estavam em causa atos médicos praticados numa clínica privada. «Esse inquérito foi arquivado por não existirem indícios de prática da infração disciplinar imputável a profissionais de saúde em exercício de funções públicas.»
Rodrigo nasceu sem globos oculares e com malformações graves no nariz e no crânio. A madrinha da criança, Tânia Contente, disse esta semana à SIC que a esperança da família é praticamente nula. Luís Graça, presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia, disse ao SOL que o tipo de malformações nunca passariam despercebidas na ecografia morfológica, feita pelas grávidas entre as 20 e 22 semanas. Segundo a avançou a madrinha da criança ao Correio da Manhã, foi sempre dito à família que estava tudo bem, mesmo depois de terem feito uma ecografia 5G noutra clínica em que os responsáveis suspeitaram de malformações. O médico só assumiu o erro quando foi chamado já depois do parto. Segundo a família, a mãe recebeu o bebé nos braços e só aí foram confrontados com as malformações.

Manifesto erro
«Este tipo de malformações tem de ser forçosamente diagnosticado. A ecografia não tem capacidade para diagnosticar todas as malformações, nomeadamente as malformações cardíacas passam muitas vezes como situações normais e depois verifica-se que não são. Mas este tipo de malformações, na face e no crânio, são obrigatoriamente vistas. Não há possibilidade nenhuma de não ver», disse ao SOL Luís Graça, que alertou para o facto de haver ecografias morfológicas a serem feitas no país por obstetras sem habilitação para tal e admite que alguns casos de malformações não detetadas não chegam à Justiça. 

O médico defende que a Ordem e o Ministério da Saúde devem tornar obrigatório ter a competência em ecografia obstétrica para realizar a ecografia morfológica entre as 20 e 22 semanas, uma competência que implica ter pelo menos cinco anos de treino e dedicar 50% do tempo de atividade à realização deste tipo de ecografias. «Um ecografia para ver se o bebe é feminino ou masculino, para ver o volume do líquido amniótico e a localização da placenta, isso todos conseguimos fazer. Mas isso não se pode confundir com a ecografia de diagnóstico pré-natal», diz Luís Graça, chamando a atenção para o facto de a qualidade das ecografias exigir equipamentos atualizados e profissionais qualificados, o que não se verifica em todos os centros de exames, nomeadamente os que têm protocolo com o SNS e seguradoras, em face dos preços praticados. Miguel Guimarães assegurou que neste momento existem normas que regulam esta atividade e garantiu a qualidade dos cuidados prestados em obstetrícia, admitindo que todas as questões serão analisadas.