Eu roubei mas não sou eu. Agora sou uma SAD

Um clube é condenado por falsear resultados mas não é castigado porque agora o que existe é uma SAD? 

Confesso. Li e não quis acreditar, à semelhança de muitas outras notícias no mesmo sentido de difícil compreensão – e para que as mentes mais tacanhas não fiquem abespinhadas, nada disto tem a ver com o Governo A ou B. Segundo vi num jornal desportivo desta semana, o Moreirense, que joga atualmente na I Liga portuguesa, foi condenado por corrupção referente ao campeonato da II Liga de 2011-2012, altura em que lutava para subir à primeira Liga. Segundo se provou em tribunal, alguém ligado ao club de Moreira de Cónegos aliciou jogadores da Naval 1.º de Maio e do Santa Clara para beneficiarem o Moreirense. Tudo foi provado em tribunal, mas a equipa não pode ser condenada nos dias de hoje porque o que existe é a SAD Moreirense! 

Mas que raio de sistema judicial é que temos que protege quem prevarica? Esta história de futebol pode ser clonada para muitos negócios que envolvem políticos e empresários que conseguem fugir à Justiça através dos expedientes que os seus advogados conseguem arranjar. Olhando para os casos mais famosos do estrangeiro, surge logo o caso de Madoff, o célebre especulador financeiro que em seis meses foi julgado e condenado a 150 anos de cadeia nos EUA. Em Espanha, o marido de uma das filhas do Rei Juan Carlos foi condenado em tempo recorde e ainda cumpre pena de prisão, por uso indevido de dinheiros, apesar de agora cumprir serviço comunitário duas vezes por semana.

Em Portugal o que temos? Temos um Ministério Público que decreta prisões preventivas para tentar investigar os indícios de corrupção que conseguiu reunir – quando o desejável seria o contrário. Só que a lei portuguesa está feita de tal forma que obriga os procuradores a começarem o trabalho pelo fim. Quantos Madoff não temos na sociedade portuguesa que conseguiram escapar às malhas da Justiça porque não tinham nada em seu nome ou colocaram os seus bens nalguma SAD, leia-se offshore? Como é possível os sucessivos governos não quererem mudar nada? Portugal, como é sabido, é um dos países mais seguros do mundo para viver, mas no que diz respeito à corrupção não ficamos tão bem, seguramente, na fotografia. 

Os casos mais mediáticos dizem-nos isso. Arguidos que usam todos os estratagemas para irem adiando o julgamento por forma a que os processos prescrevam, deixando as culpas no Ministério Público que é obrigado a ouvir centenas de testemunhas, sem nada que acrescentem umas às outras.

A Operação Marquês é um bom exemplo do que referi. Além das informações que faltam chegar das autoridades suíças, como é possível alguém dizer que lhe emprestaram 23 milhões de euros e continuar a brincar com o pagode? Como é possível alguns dos arguidos dizerem que estão na falência e continuarem com todas as mordomias? Como sabemos não faltam Operações Marquês na Justiça portuguesa envolvendo o célebre centrão.

Mas esqueçamos o caso mais mediático. Se eu quiser, por exemplo, vender a minha casa por um preço ridículo, a Câmara pode querer exercer, e bem, o direito de preferência. Qual a razão para que tal não aconteça com as empresas que têm centenas de imóveis e correrem com os inquilinos, para depois os venderem por um preço fictício a alguém amigo? Nessa matéria, o executivo de Rui Moreira está de parabéns por estar a tentar pôr fim a uma golpada dessas na cidade do Porto.

vitor.rainho@sol.pt