Campo Pequeno. Praça com venda tremida

Família Borges, uma das responsáveis pelo desenvolvimento do espaço, avançou com uma ação administrativa contra a Casa Pia de Lisboa, Massa Insolvente da SCRUP, BCP e Plateia Colossal. 

A venda do Campo Pequeno à Plateia Colossal do empresário Álvaro Covões e ao fundo Horizon Equity Partners, de António Pires de Lima e Sérgio Monteiro, por 37 milhões de euros poderá estar em risco, apurou o SOL. O negócio aconteceu depois da insolvência da Sociedade de Renovação do Campo Pequeno decretada em 2014. Mas a família Borges, acionista da sociedade que transformou o Campo Pequeno em centro comercial, avançou com uma ação administrativa contra a Casa Pia de Lisboa, Massa Insolvente da SCRUP – representada pela administradora de insolvência Paula Mattamouros Resende – BCP e Plateia Colossal.

A família Borges, de acordo com a ação administrativa a que o SOL teve acesso, acusa a Casa Pia de Lisboa de ser um "credor de má-fé", lembrando que a praça de toiros é propriedade da Casa Pia que, por não ter meios para recuperar o espaço, recorreu à SCRUP (família Borges) para que esta remodelasse e recuperasse o imóvel, o que aconteceu. O investimento fixou-se em 91 milhões de euros.

A SCRUP acabou por ser considerada insolvente, depois de o BCP ter reclamado em 2014, a totalidade do seu crédito – que tinha como prazo de amortização 2024, mas que o banco antecipou em dez anos, no valor de 85 milhões de euros. A insolvência acabou por ser declarada pelo Tribunal do Comércio, tendo sido nomeada uma administradora de insolvência para gerir aquele espaço: Paula Mattamouros Resende.

No entanto, de acordo com a ação administrativa, "a insolvência da contra interessada SRUCP é fundamento para a resolução imediata do contrato de concessão pela Ré Casa Pia de Lisboa" e, face a este cenário, considera que "estamos em presença de uma situação de falta de idoneidade contratual para manter o contrato de concessão em vigor".

O documento a que o SOL teve acesso lembra ainda que a "a resolução do contrato nunca foi declarada por existir uma concertação de vontades entre a Ré Casa Pia de Lisboa, a massa insolvente da SCRUP e o BCP (enquanto maior credor) no sentido de manter a liquidação ‘suspensa’ até que esta entidade bancária decida qual a solução que lhe convém" e, face a isso, "a Ré Casa Pia de Lisboa aceita ‘manter’ o contrato de concessão em vigor para que não lhe seja exigido qualquer quantia pelas obras efetuadas".

A ação administrativa diz também que o BCP é ainda o maior credo da SRUCP com a maioria dos créditos reclamados. Uma situação que "permite dominar qualquer deliberação em assembleia de credores", acrescentando que "tudo isto em prejuízo dos autores, não permitindo que seja exigido à Ré Casa Pia de Lisboa qualquer valor a título das obras efetuadas para pagamento do seu crédito e acresce que os autores tiveram conhecimento que a massa insolvente se encontra a negociar a venda da empresa por um valor reduzido à contra interessada Plateia Colossal".

A família Borges critica ainda o facto de ser feita "uma tábua rasa" do contrato de concessão, transformando o Campo Pequeno "numa mera sala de espetáculos musicais e afins",lembrando que com a venda da empresa, todo o montante recebido será para o BCP, "em vez de ser exigido à Ré Casa Pia de Lisboa o valor devido a título das obras efetuadas".

 

Indemnização

Para a família Borges não há dúvidas. A SCRUP tem direito a uma indemnização pelo reembolso das obras efetuadas naquela espaço e, mesmo que isso não fosse considerada, a ação administrativa recorda que a Casa Pia estava obrigada a indemnizar a sociedade, defendendo que "não existe qualquer razão para a Casa Pia receber um património superior a 90 milhões de euros sem pagar qualquer contraprestação", revela o documento a que o SOL teve acesso.

E deixa um alerta: "A Casa Pia enriqueceu à custa da SRUCP sem qualquer causa justificativa e à custa do empobrecimento desta", defendendo que o crédito da SRUCP é superior a 91 milhões de euros, correspondente ao valor das obras de remodelação, restauração e construção realizadas.

 

Proposta excluída

O SOL sabe que foi apresentada uma outra proposta para a compra do Campo Pequeno por parte da IDS SGPS que avançou com um valor de 40 milhões de euros, ou seja, mais três milhões do que o valor avançado pelo consórcio de Álvaro Covões, mas que acabou por anunciar o seu desinteresse no negócio face à morosidade "com o futuro discurso sobre a validade de venda e ou das propostas apresentadas".

Recorde-se que o negócio da compra do Campo Pequeno, em Lisboa, por 37 milhões de euros foi formalizado na passada semana. A venda foi feita ao empresário Álvaro Covões e ao fundo Horizon Equity Partners, de António Pires de Lima e Sérgio Monteiro. A arena do espaço, onde se realizam touradas e concertos, será gerida por Álvaro Covões, diretor-geral da sociedade promotora de eventos Everything is New.

Já o parque de estacionamento fica à responsabilidade do fundo Horizon Equity Partners de António Pires de Lima e de Sérgio Monteiro. António Pires de Lima foi ministro da Economia do Governo de Pedro Passos Coelho e é agora administrador executivo da Fundação Serralves e da Media Capital. Por seu turno, Sérgio Monteiro foi secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações do mesmo governo, tendo ficado associado às privatizações dos CTT e da TAP. O fundo Horizon Equity Partners está associado ao consórcio da Morgan Stanley nas torres de telecomunicações compradas à Altice.

 

Insolvência fraudulenta

Não é a primeira vez que a família fundadora do Campo Pequeno acusa o BCP de ter provocado a sua insolvência de forma fraudulenta. A queixa chegou a ser entregue à Procuradoria-Geral da República (PGR), onde foram denunciadas "práticas e infrações delituosas desenvolvidas […] por gente muito influente no nosso país, em posição muito dominante, em sucessiva associação, concerto e articulação de interesses, com sofisticado enredo de atos e omissões, falsas representações, simulações, dissimulações, artifícios, expedientes e ocultações, com controle da exposição e exploração mediática, concretizando a prática de graves ilícitos do foro penal, com as agravantes que as posições de ‘domínio’, a informação privilegiada e o uso vantajoso da ocultação rotulada de sigilo bancário".

O caso remonta a setembro de 2005, quando foi celebrado um acordo de acionistas entre a sociedade Pinho Grande, o grupo IPG e o BCP com uma duração de 10 anos, ou seja, até setembro de 2015. O BCP já era o banco de confiança da sociedade desde 1998, mas a partir dessa data passou a deter 10% do capital social da SCRUP, os restantes 90% eram detidos, em partes iguais, pelos acionistas Pinho Grande e Goes Ferreira.

O acordo, a que o SOL teve acesso, foi realizado no âmbito da realização de obras no Campo Pequeno com vista à sua transformação em centro comercial, onde o BCP entrou como acionista na condição "de continuar a ser o banco exclusivo do projeto", mas também por "ver com interesse a participação no capital da sociedade da SCRUP numa ótica de capital de desenvolvimento e por o mesmo apresentar boas perspetivas de sucesso e rentabilidade a longo prazo".

Esta entrada do banco no capital da sociedade foi feito através de um aumento de capital – passando de 50 mil para dez milhões de euros – e implicou mudanças na estrutura acionista da mesma. Com estas alterações, passaram a existir sete administradores: três nomeados por cada um dos dois acionistas maioritários, e um pelo BCP. E, segundo o acordo a que o SOL teve acesso, não estava prevista qualquer alteração no capital social.

No entanto, o cenário mudou em setembro de 2009. A família fundadora do Campo Pequeno é convocada para uma reunião no banco com Armando Vara. Neste encontro, Vara comunica que passará a ser o acionista maioritário da sociedade, já que irá ficar com os 45% de Goes Ferreira, o que, somado aos 10% que o BCP detém, significará 55%.

Ora, isto violava de modo flagrante o acordo estabelecido em 2005. E quando a Pinho Grande questionou Armando Vara sobre estas alterações, teve como resposta que "o acordo deixaria de vigorar" e que seriam levadas a cabo algumas alterações em termos societários.

A Pinho Grande denuncia que, a partir dessa altura, foram levados a cabo vários procedimentos com vista a aniquilá-la financeiramente. Segundo o documento enviado à PGR, foram realizadas uma série de "atuações judiciais e processuais movidas pelo seu coacionista, banco exclusivo, BCP, visando inviabilizar economicamente a Pinho Grande e as empresas da família Borges que lhe estão associadas na Madeira, onde estas, aliás, iam sofrendo gravíssimos prejuízos de milhões de euros como continuado efeito de uma recentemente confirmada dolosa atuação do BCP".

Em 2013, segundo a mesma queixa, a OPWAY – empresa construtora que realizou as obras no Campo Pequeno – pede a insolvência da SRUCP, ‘instigada’ pelo BCP. Em causa estava uma dívida de cinco milhões de euros. Sucede que, de acordo com a Pinho Grande, este pedido não fazia qualquer sentido, uma vez que a sociedade tinha um crédito de vários milhões de euros referentes a um reembolso atrasado de IVA sobre as obras atrasadas. E, além disso, era credora da OPWAY, por multas de atrasos nas obras do Campo Pequeno, de um valor da ordem dos 19 milhões de euros.