Do segredo profissional à exposição nas redes sociais

O segredo profissional tem sido sempre para mim uma barreira intransponível, que tento transmitir aos doentes como garantia de confiança de todas as suas confidências.

Desde muito cedo, ainda eu era estudante, comecei a conviver com o significado do termo ‘segredo profissional’, com o qual me iria confrontar mais tarde na vida clínica. O meu pai, cirurgião, um dos responsáveis pela minha opção profissional, falava-me com frequência na necessidade de saber guardar só para mim aquilo a que iria ter acesso através das confidências dos doentes, dos processos clínicos, ou das minhas avaliações pessoais. Recordo-me também de Fernando Braga d’Almeida – outro nome grande que me marcou, pediatra de ‘mão cheia’, com quem igualmente ‘cresci’ – me ter dito em tempos que já lá vão: «Quando vestires a bata branca, passas a ter apenas olhos clínicos».

Um pouco por tudo isto, o segredo profissional tem sido sempre para mim uma barreira intransponível, que tento transmitir aos doentes como garantia de confiança de todas as suas confidências. De quando em quando, aparece alguém que me pergunta se o tal segredo profissional a que os médicos estavam obrigados antigamente ainda existe. «Claro que sim!», respondo eu com toda a firmeza e convicção. «O que se passa desta porta para dentro, não vai lá para fora, seja por que motivo for!». Com essa afirmação, vejo as pessoas ficarem mais confiantes e tranquilas, como é essencial na relação médico-doente.

Há dias, uma jovem de dezoito anos, ao entrar no meu gabinete, a primeira coisa que me perguntou foi se eu era obrigado a guardar segredo profissional. Disse-lhe evidentemente que sim, e que podia contar comigo para a ajudar conforme pudesse. Esta jovem (com princípios totalmente diferentes dos meus e com um estilo de vida oposto ao meu) estava baralhada e confusa, necessitando de ser esclarecida. E tive de ser eu a explicar-lhe, numa linguagem que ela entendesse, como as coisas eram na realidade. Em dada altura, puxa do telemóvel, entra numa dessas redes sociais e mostra-me, em fotografias, parte do que me tinha contado e que não queria revelar a ninguém.
Este caso põe em evidência três realidades distintas: a decisão certa de recorrer ao médico de família para a ajudar na resolução do seu problema (o que nem sempre acontece, ainda para mais neste grupo etário); o direito ao segredo profissional, que qualquer doente tem, e que a jovem pôs em primeiro lugar, antes de expor a situação; a presença nas redes sociais, a contradizer, em parte, algumas das suas confidências. 

E esta última realidade merece uma análise mais pormenorizada.
Presentemente usa-se e abusa-se das redes sociais. Dá ideia que as pessoas têm necessidade de expor a sua vida privada para toda a gente ver e saber como é o seu comportamento. Passou-se do oito para o oitenta, do tempo em que tudo era segredo para o tempo em que é preciso mostrar e ostentar o que se tem. 
O campo social e o da saúde parecem caminhar de braço dado. Antigamente, se alguém tinha um problema grave de saúde tudo era encoberto, pouco se falava e evitava-se até tocar no assunto. Hoje é quase obrigatório revelá-lo publicamente, como no caso das figuras públicas, as primeiras a declarar o que lhes aconteceu. Qual a razão? Já não há direito à privacidade de cada um? Ou é a sociedade a exigir aos ‘nomes sonantes’ da nossa praça uma explicação sem qualquer recato do que se está a passar? 
Salvam-se honrosas exceções que, por solidariedade, vêm dar o seu testemunho de pessoas humanas, iguais a tantas outras, sofrendo o mesmo problema, ajudando-as, com o seu exemplo, na caminhada desse doloroso calvário. Nos outros casos, a informática, com as suas múltiplas vertentes, de inegável valor e utilidade, vai servindo também de brinquedo para adultos e crianças se divertirem e ocuparem o tempo a saber dos outros. E a noção de privacidade vai-se perdendo, com a vida íntima das pessoas a passar para o domínio público, adivinhando-se pelas imagens e mensagens o que está a acontecer ao momento. Daí, muitos perguntarem aos médicos pelo sigilo profissional – pois à nossa volta o panorama é de total transparência, e tudo é visível aos nossos olhos.

Deixo estas reflexões a pensar essencialmente nos mais novos. Para tudo na vida deve haver limites – e são necessárias regras que orientem os nossos comportamentos. Há que pôr travão quando nos querem empurrar para caminhos perigosos, e não nos deixarmos ir na onda porque é moda ou é aceite pela maioria. Pensemos nisto. O futuro será aquele que conseguirmos construir no presente.