Hong Kong. Participação recorde num “referendo” aos protestos

Após meses de protestos cada vez mais violentos, acorreram às urnas mais 1,5 milhões de eleitores que em 2015. Os conselhos distritais são os únicos órgãos do Estado com sufrágio universal em Hong Kong. 

Assim que tiveram oportunidade de ir às urnas escolher os seus líderes, boa parte dos habitantes de Hong Kong fizeram-no. Sessenta e nove por cento dos 4,1 milhões de eleitores votaram para eleger 452 representantes nos 18 conselhos distritais, uma participação recorde, após meses de protestos – cada vez mais violentos. 

“Na prática, é um referendo: amarelo ou azul”, explicou à Quartz Richard Chan, candidato da oposição. O “amarelo” simboliza o campo pró-democracia e o “azul” é uma referência aos uniformes da polícia, controlada pelo Executivo de Carrie Lam. Já Starry Lee Wai-king, líder do principal partido pró-Pequim, chutou bolas pretas durante um comício, esta quinta-feira, simbolizando as “forças negras” dos manifestantes, que precisam de ser chutados para fora da cidade, segundo o South China Morning Post.

As imagens deste domingo mostram longas filas de eleitores, que esperavam durante horas à porta dos locais de voto, guardados por polícias usando equipamento antimotim. “Creio que é necessário para dar a impressão de segurança e criar um efeito dissuasor”, disse aos jornalistas o número dois de Carrie Lam, Matthew Cheung. Mas os receios de que protestos perturbassem o processo eleitoral mostraram-se infundados. O que houve foi uma afluência sem precedentes às urnas: votaram mais 1,5 milhões de pessoas do que nas eleições de 2015. “Definitivamente, isto reflete o desejo do povo de Hong Kong de um sufrágio universal genuíno”, assegurou um eleitor à Reuters

Sufrágio universal no sentido de que a eleição do Executivo de Hong Kong não o é. Apesar de todos os eleitores poderem eleger membros do comité eleitoral que nomeia o Executivo, só elegem metade desse comité – o resto é composto maioritariamente por representantes de vários setores da economia (atualmente, estes elementos são na sua maioria pró-Pequim). Além disso, o novo líder do Executivo ainda precisa do consentimento do Governo central. Os únicos órgãos plenamente eleitos de Hong Kong são mesmo os 18 conselhos distritais: coincidentemente, têm poucos poderes e orçamentos limitados.

Contudo, até estas eleições foram marcadas por restrições. Por exemplo, o ativista Joshua Wong – que já foi detido pelas autoridades em várias ocasiões – foi impedido de concorrer, por apelar à autodeterminação de Hong Kong, o que foi visto como incompatível com o juramento de tomada de posse do Executivo.

“Mesmo que me censurem e tirem dos boletins de voto, que me prendam, isso só me encorajaria a continuar a lutar por um futuro”, disse Wong aos jornalistas, quando apelava ao voto. Afinal, mais do que representação nos conselhos distritais, o que se disputa é a perceção de apoio popular à oposição ou ao campo pró-Pequim.

 

“Sangue, suor e lágrimas” A enorme afluência às urnas pode ser sinal tanto da crescente impopularidade do Executivo como do cansaço com os constantes confrontos em Hong Kong, onde a violência se tornou norma. “Ambos os lados têm falhas, mas estou aqui para apoiar o Governo. Os jovens são demasiado radicais”, assegurou ao Guardian Tang, uma eleitora de 70 anos. “Eles não deviam provocar estragos e interferir no nosso dia-a-dia”.

Outros pensam exatamente o contrário. “Antes dos protestos pensei que não sabia nada sobre o Governo, que não era da minha conta”, explicou à Reuters Kevin Cheung, um estudante de 22 anos. “Se estás disposto a marchar ou a protestar nas ruas, o que requer sangue, suor e lágrimas, é muito mais fácil descer as escadas e votar”, acrescentou outro manifestante ao Guardian.