Quando surgiu num pequenino papel cinematográfico em Glorifying the American Girl, um filme de 1929 que servia de promoção às ‘follies’ de Ziegfiel, János era apenas um rapaz reduzido a uma folha de parra que lhe tapava as partes pudendas. Algo que me faz recordar a festa dos Óscares de 1974. A meio do discurso de agradecimento de Elizabeth Taylor, Robert Opel, um fotógrafo que possuía uma galeria de arte mas não desenvolvia a totalidade das sinapses, entrou bruscamente no palco todo nu fazendo o V com os dois dedos da mão direita. David Niven, apresentador nesse ano, sempre tão cavalheirescamente britânico, terá tido vontade de lhe fazer outro tipo de gesto com outros dedos, mas limitou-se a uma frase de requintado humor. «Obrigado por nos ter mostrado as suas insuficiências».
János estava mais do que habituado a mostrar, pelos menos, as suas suficiências, no caso de Niven se referir ao conjunto de órgãos que a parra de Adonis tapava. Não andou a vida toda nu, mas ganhou-a a andar seminu, isso é tão certo como ter nascido numa terra com um nome de provocar cãibras na língua: Szabadfalva, no velho Império Austro-Húngaro, perto de Timisoara. Atualmente chamam-lhe Freidorf, que é mais conveniente, e faz parte da Roménia. O apelido paterno Weissmüller revelava a família germânica do pai, Peter, um suábio que decidiu emigrar para Windber, uma localidade da Pensilvânia, e trabalhar com o cunhado Johann Ott nas minas de carvão. Herr Weissmüller lá saberia das suas prioridades, foçar com uma picareta na dureza do antracite não parece glamoroso, mas enfim, quem não teve por onde escolher foi János que, na altura, era mamífero com apenas sete meses de existência exterior.
Aos nove anos, foi atacado pela poliomielite e esteve à beira de se tornar num deficiente para o resto da vida não se desse o caso de possuir uma força de vontade assinalável para alguém tão jovem. Peter decidiu abandonar o minério para se dedicar à cerveja, e acho que fez muitíssimo bem. Empregou-se na Elston and Fullerton Brewery, em Chicago. O filho mais velho inscreveu-se no YMCA (Young Men’s Christian Association) tornando-se num nadador competitivo e teimoso.
Parece que Peter passou mais tempo de vida sem roupa do que o filho, tantos são os descendentes que lhe apontam, mas não é das infidelidades de Herr Weissmüller que aqui venho falar, e sim do último papel que terá assinado, a autorização para que János, cada vez mais tratado por John, de apenas 19 anos, viajasse para Paris e participasse nos Jogos Olímpicos de 1924. Nessa altura já tinha batido o recorde do havaiano Duke Kahanamoku nos 100 metros livres com a marca de 58,6 segundos. Era um moço trabalhador que servia como salva-vidas no Lago Michigan. Na final de Paris voltou a bater Kahanamoku e regressou a casa carregado de ouro: 100 e 400 livres e estafeta de 4 por 200, somando também uma de bronze no polo. Quatro anos mais tarde, em Amesterdão, mais ouro: nos 100 metros livres e nos 4 por 200.
Depois da parra de Adonis, John envergou orgulhosamente a tanga de Tarzan. De tal forma encaixou no boneco que o próprio Edgar Rice Burroughs, inventor da personagem, gostou dele. Os produtores da MGM quiseram mudar-lhe o nome: Weissmüller era pouco apaixonante para figurar nos cartazes. John terá ficado com vontade de lhe fazer um gesto com os dedos, mas limitou-se a perguntar-lhes se o nome de um campeão olímpico soava mal. Resolveram o assunto com uma foto dele a nadar por baixo do nome.
János acumulou mulheres que se deixavam fascinar pela sua aura de Homem-Macaco. Dedicou-se ao golfe e estava por Cuba a jogá-lo quando foi apanhado por um bando de guerrilheiros em 1958. Viu-se atrapalhado mas desenrascou-se com pilhéria soltando o grito com que apavorava hipopótamos. Os cubanos gostaram: «¡Es Tarzán! ¡Es Tarzán de la Jungla!». Deixaram-no em paz e foram fazer a revolução.
A minha tia Manuela Sampaio e Paiva conheceu John muito depois de ele ter deixado de ser Tarzan e, até, de se ter vestido de caqui para fazer de Jungle Jim. Meados dos anos 70. Envelhecera com estilo. Ficara a saber que sofria de sérios problemas cardíacos desde criança. Vinha a Portugal negociar vinhos do Porto com os Ribeiro da Silva e tornara-se tão popular que não era fácil levá-lo a restaurantes. Toda a gente deveria estar à espera do momento em que soltaria o que Burroughs definiu: «The man, raising his face to the heavens, voiced a horrid cry – the victory cry of the bull ape!». Ou de que se agarrasse aos reposteiros e fizesse deles lianas em busca de alguma mulher bonita na sala à qual pudesse perguntar: «Me Tarzan, you Jane?». O que, convenhamos, é uma simples mas verdadeiramente prometedora frase de engate. Se não fizesse corar Maureen O’Hara deixaria Cheeta feliz.
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