Marcelo Rebelo de Sousa já deixou bem explícito: antes de se avançar para a regionalização, é necessário completar a descentralização. Andar a saltar passos não é boa forma de levar este processo até ao fim, alerta o Presidente.
«Como disse no congresso da Associação Nacional de Municípios, 2020 e 2021 são o tempo da conclusão do processo de aprovação do que resta de diplomas e da entrada em vigor do regime jurídico global da descentralização. Estar a sobrepor a regionalização a esse processo seria uma precipitação, por colocar o carro à frente dos bois, podendo ser um erro irreversível», disse o Presidente da República ao SOL.
Na abertura do congresso da ANMP, na semana passada, Marcelo já tinha alertado para a necessidade de o Governo ser cuidadoso em relação às reformas das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), para que não fosse criada a «suspeição» de que esta medida era uma «aceleração do processo regionalizador» sem o assumir no quadro constitucional: «Quanto à personalização jurídica ou qualquer outra qualificação jurídica das CCDR, há que ter o cuidado de não deixar criar a suspeição de se tratar de proceder a uma aceleração do processo regionalizador sem o assumir no quadro das exigências constitucionais envolvente, nomeadamente, a realização do referendo».
Ao SOL, o Presidente da República reforçou a ideia deixada no congresso: «Para quem quer a regionalização – e a maioria esmagadora dos autarcas quer – essa precipitação não serviria o objetivo pretendido. As centenas de autarcas presentes entenderam a lógica da minha mensagem – que, aliás, representa uma verificação ditada pelo bom senso – e testemunhou-o, no acolhimento que lhe deu e até na posição expressa pelo presidente da ANMP». Recorde-se que Manuel Machado defendeu que é necessário «continuar o trabalho político agregador que, com o ritmo certo, sem precipitar etapas, e com uma grande disponibilidade para o consenso, consiga desbloquear – tão breve quanto possível – o processo de modernização do Estado português».
Costa não desarma
O debate em torno da regionalização ganhou uma nova força depois de António Costa anunciar que o Governo pretende implementar eleições indiretas para as CCDR até 2020: «Já no primeiro semestre 2020, queremos que seja possível proceder ao reforço da legitimidade democrática para que as CCDR possam assumir plenamente o desenvolvimento de estratégias regionais. Este é o momento certo e não deve haver qualquer tipo de adiamento. Este não é o passo que todos anseiam, mas é o que desde já deve ser dado para criar no país a confiança necessária para os passos seguintes».
No que seria uma tentativa de agradar a Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa revelou também que o Governo «está disponível para não avançar já com a eleição direta par as Áreas Metropolitanas», para evitar «entraves a quaisquer desenvolvimentos futuros no processo de regionalização». O SOL questionou o gabinete do primeiro-ministro sobre a intenção de avançar com este processo ainda durante esta legislatura, mas, até ao fecho desta edição, não obteve resposta.
A verdade é que, nas intervenções que tem tido, Marcelo Rebelo de Sousa tem deixado recados ao Governo, aconselhando a que não haja precipitações: «Quem quer a regionalização não deve precipitar-se, porque esse pode ser o grande obstáculo à regionalização. Quem não quer, é-lhe indiferente, pois essa precipitação pode até ser um argumento para não se regionalizar», disse aos jornalistas à margem de uma visita oficial na passada quinta-feira.
Apesar de tudo, estas afirmações mostram um Marcelo mais flexível em relação a este assunto, já que em 1998, ano em que se realizou o referendo sobre a regionalização, o então líder do PSD foi uma das vozes anti-regionalistas mais audíveis. O ‘não’ acabou pro vencer o referendo, com mais de 60% dos votos.
Novas regras
Costa já avançou com a ideia de dar mais autonomia nas CCDR, mas ainda não explicou de que forma irá concretizar esta medida.Para João Cravinho, que coordenou a Comissão Independente para a Descentralização e cujo relatório defende a criação de regiões administrativas em Portugal e a realização de um novo referendo, a questão está exatamente na definição do novo funcionamento das CCDR: «Temos de aguardar que o Governo, através de legislação adequada, defina o novo modo de funcionamento da administração central desconcentrada» para depois haver um debate sobre a viabilidade desta distribuição de poderes, disse ao SOL o ex-ministro socialista.
O antigo governante lembrou também que, por muita vontade que tenha de implementar as mudanças o quanto antes, António Costa não pode ignorar uma série de preceitos, que constam do documento entregue no verão passado: «O relatório é muito claro do ponto de vista jurídico-constitucional. É muito claro na análise que faz do condicionalismo próprio da descentralização à luz das disposições jurídicas vigentes, incluindo a Constituição».
Entretanto, várias vozes se levantaram contra o que chamam de «regionalização encapotada» e Costa parece estar cada vez mais isolado neste processo. PSD, CDS, PCP e Bloco de Esquerda já vieram dizer que, independentemente da posição do Presidente da República ou das ideias do primeiro-ministro, as populações deveriam pode pronunciar-se sobre este processo.
«Aquilo que não devemos fazer é pôr o carro à frente dos bois. Eleger diretamente os presidentes das Áreas Metropolitanas é começar pelo fim (…) Não me parece justo que algo que foi chumbado por referendo agora possa vir a ser feito sem ser por referendo», disse Rui Rio aos jornalistas. Mas o líder do PSD não foi o único a falar sobre o assunto. Cecília Meireles, líder da bancada parlamentar do CDS, foi perentória: «esta eleição é o primeiro passo para a regionalização. E a resposta deste parlamento deve ser também muito clara: regionalização só com referendo». Jerónimo de Sousa tambémtambém disse que quer um referendo «até às autárquicas de 2021» e Catarina Martins rejeita uma «regionalização sem democracia».
Alterar a lei?
Mas há também quem não seja a favor do referendo. Num debate promovido pela associação ‘Porto, o Nosso Movimento’ , Fernando Medina e Rui Moreira defenderam que basta uma alteração à lei para que a regionalização avance sem a necessidade de consulta popular.
«Acho estranho que uma coisa que está na Constituição tenha de ser referendada», disse o presidente da Câmara do Porto. «Quanto mais adiarmos a regionalização, mais atrasados ficamos. Há 20 anos o mapa era péssimo e o então líder do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa, não concordava com as regiões. Agora o mapa é consensual, embora possa ser aperfeiçoado em Lisboa, e temos hoje o Presidente da República que volta a não concordar com a regionalização», afirmou o autarca de Lisboa, defendendo que não é por isso que se deve «meter a ideia na gaveta».