Investir na cultura é prova civilizacional

Surgem sempre muitas notícias e debates aquando da aprovação dos Orçamentos de Estado. Quanto aos benefícios fiscais, parece que em sede de IVA as touradas irão passar de 6% para 23%. Não me queria envolver no problema das touradas como forma cultural, mas de poder olhar para a questão dos benefícios fiscais para o setor…

A medida levada a cabo pelo governo, há um ano atrás, de conceder o benefício fiscal em sede de IVA aos espetáculos e às atividades culturais é, na minha opinião, uma das coisas mais importantes para o desenvolvimento do setor da cultura e da arte no nosso país. 

O apoio cultural e a criação da arte em Portugal é algo que exige um esforço de todos e que está muito deficitário. Não tanto na qualidade do que se faz, mas na consciência coletiva que se possa ter do património que temos e do conhecimento das artes que elevam o espírito e libertam o homem da sua pura materialidade.

Tenho sempre este problema de pensar o homem como o único capaz de produzir cultura, porque ele próprio para além de ser racional é também um ser espiritual. Não falo dos espetáculos de música de verão ou dos espetáculos que movimentam massas para os estádios de futebol. 

É evidente que a cultura contemporânea criou outras formas de entretenimento da alma, ligadas ao desporto e à música pop que atraem milhões de pessoas. É pouco abonatório da nossa cultura o que assistimos nas televisões, de manhã até à noite, do ponto de vista cultural. Os programas de entretenimento dão visibilidade a personagens que cantam umas músicas em playback, cuja expressão artística, musical e cultural são de duvidosa qualidade.

Cantam e dançam, com mais ou menos roupa no corpo. Cozinham e passam os dias a provar as diferentes iguarias que existem no país. Quando mal nos descuidamos lá temos mais um jogo de futebol de homens ou de mulheres, de brasileiros porque temos lá o Jesus ou dos ingleses porque temos lá o Mourinho. Passam os jogos de Itália, porque temos lá o Ronaldo. 

Tudo isto é bom e importante, mas não é o exclusivo da cultura que se faz em Portugal. Penso que é um avanço cultural que se tenha concedido um benefício fiscal no IVA a tantos espetáculos culturais que se produzem no país. 

Na cultura há algo que me preocupa: a cultura e a educação! Porque os espetáculos de música clássica e de bailado, as exposições de arte antiga ou contemporânea continuam a ser frequentados por uma elite muito pequena de portugueses. É necessário que se dê maior visibilidade à cultura de forma que ela se entranhe na vida quotidiana dos adultos e das crianças. 

A educação para o campo da cultura musical exige um caminho enorme para se atingir alguns resultados. É necessário um investimento em instrumentos para mover os mais novos, desde criança, para uma cultura clássica. Algo que ultrapasse as flautas que tocam apenas um tema do Titanic e pouco mais.

Penso que é culturalmente relevante a quantidade de pequenas orquestras juvenis que se têm criado em tantos bairros desfavorecidos em Portugal. Mostra um salto cultural e civilizacional muito importante. Porque todas as crianças, todos os adolescentes e jovens têm necessidades espirituais que se expressam na cultura e nas artes e isto deve ser uma prioridade na educação. 

Precisamos de fugir da tentação de dar apenas o que a cultura dominante gosta ou procura. Precisamos de sair desta cultura pop ou se quisermos desta cultura pimba em todos os domínios. Porque, ajudar uma criança a contemplar uma obra de arte do século XVI e a educar o seu ouvido para um concerto de música clássica é um dos maiores investimentos que um país pode fazer.