OE 2020. O que ainda pode mudar

Os grupos parlamentares apresentaram mais de 1300 propostas. Se algumas têm condições para avançar, outras exigem negociações. A redução do IVA da luz é a mais polémica. 

OE 2020. O que ainda pode mudar

o todo foram apresentadas 1302 propostas de alteração à proposta de Orçamento de Estado para este ano. Trata-se de um número recorde desde que começaram a ser registadas as alterações no site do Parlamento. Algumas das propostas avançadas pelos socialistas foram negociadas com os partidos de esquerda, mas muitas terão de esperar por um acordo. Há sugestões para todos os gostos: da habitação, aos impostos, à educação ou aos reformados. O IVA da energia e o controlo de novas injeções no Novo Banco são as mais polémicas e longe de gerarem consenso. O SOL falou com analistas que analisaram à lupa algumas das propostas e a opinião é unânime: «As medidas com um pequeno impacto orçamental serão as com mais probabilidade de serem aprovadas, com as propostas do BE e do PS a serem as mais prováveis de todas».

O documento vai ser debatido e votado na especialidade entre os dias 4 e 6 de fevereiro, sendo alvo da votação final global a 7 de fevereiro. O SOL falou com especialistas que analisaram à lupa algumas das propostas.

IVA da luz

O Governo inscreveu no Orçamento do Estado uma autorização legislativa para que o IVA da eletricidade seja reduzido consoante níveis de consumo. Mas a oposição quer mais: o PSD quer uma redução para 6% só para o consumo de luz das famílias a partir de julho, compensada com redução na despesa com consumos intermédios e gabinetes ministeriais; o PCP propõe uma redução para 6% na luz e gás que entre em vigor no mesmo momento do Orçamento do Estado. Já o BE veio garantir que votará a favor de todas as propostas que apresentem uma redução do IVA da eletricidade, nomeadamente a proposta do PCP e do PSD. 

Os cálculos sobre o custo da medida variam. As contas do PSD apontam para um impacto de 175 milhões de euros, este ano. No entanto, o Governo garante que o impacto da medida sugerida pelos sociais-democratas seria, «a partir de 1 de julho, de cerca de 334 milhões de euros», sendo num ano corrente de «cerca de 774 milhões», disse o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

Se o IVA da luz for reduzido para 6%, Portugal fica com uma das taxas mais baixas da União Europeia, logo a seguir a Malta, e igual à que é cobrada na Grécia. E abandona a tabela dos países onde a eletricidade é mais cara. De acordo com os últimos dados do Eurostat e comparando diretamente os preços médios de cada país, surgimos na sexta posição entre os países da União Europeia e da zona euro com os valores mais elevados.

Para Pedro Amorim, analista da corretora Infinox, «a questão do IVA da eletricidade está a ser usada como bandeira partidária e estamos a assistir quase a um leilão. Até agora as propostas em cima da mesa não irão ter um impacto significativo nas contas dos portugueses, estaremos a falar de 2 euros na fatura, materialmente relevante».

‘Vistos gold’

O PS quer limitar a concessão dos ‘vistos gold’ em Lisboa e no Porto, passando a estarem apenas disponíveis para quem pretenda investir no interior. A ideia é «retirar a pressão das áreas metropolitanas», dando assim resposta ao problema da «especulação imobiliária». Uma medida que deverá contar com o apoio dos partidos de esquerda, mas que vai ter forte resistência por parte do setor. As reações não se fizeram esperar.

Para a Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP) – nas palavras de Luís Lima –, a medida «vai ser contraproducente e vai no sentido de tentar travar a procura no mercado, em vez de promover o aumento da oferta». E, apesar de defender a necessidade de serem introduzidos ajustes nas zonas onde existe uma maior pressão imobiliária, considera que «retirá-las do programa é mudar as regras a meio do jogo e um sinal negativo que estamos a passar aos potenciais investidores».

Também para a Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), esta limitação «vai ditar o fim do programa», que é encarado como «demasiado importante para a nossa economia para ser vítima de tentativas vãs e do ‘jogo político’, na medida em que é um grande gerador de riqueza e de postos de trabalho».

De acordo com a APEMIP, uma das soluções para resolver este problema passaria por aumentar o valor mínimo de investimento nestes concelhos, que poderia passar de 500 mil euros para um milhão, por exemplo, enquanto para a APPII, outra hipótese seria aumentar em Lisboa e no Porto o valor dos imóveis de 500 para 750 mil euros.

Nas contas de Luís Lima, desde a criação deste programa, em 2012, foram atribuídas 8207 autorizações de residência, que correspondem a um investimento de mais de 4,9 mil milhões de euros em Portugal, dos quais 4,5 mil milhões correspondem a imobiliário. Só em 2019, este investimento representou mais de 660 milhões de euros. Já para a APPII, dos 4,9 mil milhões de euros que este programa conseguiu captar, cerca de 4,5 mil milhões correspondem a investimento em ativos imobiliários localizados em centros urbanos.

Apesar da resistência do setor, Pedro Amorim aplaude a medida, mas lamenta que peque por tardia. «Esta medida já devia ter sido implementada mais cedo. Provavelmente a melhor medida deste Orçamento de Estado. Os vistos gold são a principal causa da especulação imobiliária, levando investidores estrangeiros com poder de compra claramente superior ao nosso a adquirir propriedades só para terem benefícios e direitos legais. Este tipo de visto lá fora é atribuído a quem cria emprego, em Portugal é para quem compra mais casas de férias. Sempre fui crítico deste tipo de vistos e o resultado está à vista», diz ao SOL.

André Pires, analista da XTB, lembra ainda que, a par desta proposta de alteração, o Orçamento prevê também o agravamento dos índices de tributação no regime simplificado de IRS e de IRC, que passam de 0,35 para 0,50% e, no seu entender, «já estão a trazer resistência por parte do setor», acrescentando que «esta medida prejudica os investidores que recuperaram e regeneraram imóveis e não terá grande impacto na especulação imobiliária». 

Reformados estrangeiros vão pagar IRS

O PS propôs avançar com uma taxa mínima de 10% de IRS para os reformados estrangeiros que se mudem para Portugal e que atualmente estão isentos de imposto sobre os rendimentos. A medida deverá ter o apoio da esquerda, no entanto, a proposta prevê um período de transição que deixa de fora quem se inscrever no regime de Residentes Não Habituais até 31 de março de 2021.

No entanto, André Pires lembra que «a medida será aplicada, não aos atuais reformados com residência habitual em Portugal, mas aos reformados que, de futuro, queiram fixar-se cá», defendendo que «esta tributação poderá ser uma fonte de rendimento interessante». Já Pedro Amorim  afirma que «estamos a falar de um valor bastante residual, nem deve chegar aos 50 milhões de euros», acrescentando que «esta medida visa promover mais justiça fiscal, não tendo qualquer impacto no orçamento nem no número de reformados estrangeiros em Portugal». 

Trabalhadores estudantes

O PS propõe que os trabalhadores estudantes menores e que ainda vivam com os pais apenas paguem IRS a partir de um limite anual de quase de 2.220 euros (cinco Indexantes de Apoios Sociais – IAS). A nova regra aplica-se tanto aos rendimentos de trabalho dependente como aos que resultem de prestações de serviço. 

Aumento pensões

Esta foi uma das medidas acordadas pelo Governo com PCP e Bloco de Esquerda para a viabilização do Orçamento do Estado para 2020 na generalidade. Mas enquanto o PS pretende que o aumento extraordinário de pensões seja de 10 ou de 6 euros, tal como em anos anteriores, e que só seja pago a partir de agosto, os partidos de esquerda defendem que esse complemento seja de 10 euros para todos.

No entanto, as datas divergem. O PCP quer que esse aumento seja aplicado com retroativos a janeiro, o Bloco defende que avance depois de publicado o Orçamento do Estado em Diário da República. 
Ao mesmo tempo, os bloquistas pretendem alargar a atribuição do complemento solidário para idosos a mais pessoas.

Sugestões que são criticadas por André Pires. «Estamos a falar de partidos de esquerda, pelo que, enquanto houver dinheiro dos outros para gastar, qualquer medida populistas é bem vinda. Estas medidas precisariam de um estudo mais aprofundado da sua sustentabilidade. De outra forma, o aumento do gasto público poderá exigir ainda mais impostos, os quais já estão em níveis recorde». Uma opinião partilhada por Pedro Amorim. «Estamos com o défice quase nos zeros, sendo que esta proposta poderá passar. Contudo a medida não deixa de ser populista e vai ao encontro da estratégia do governo no aumento do consumo interno. Este valor será recuperado em receitas de impostos nomeadamente o IVA e IRS. Não considero uma medida que prejudique as contas públicas de momento».

Propinas e creches

As creches vão passar a ser gratuitas para as famílias com rendimentos mais baixos – deverão ser abrangidas 40 mil crianças do escalão mais baixo de rendimentos e até ao pré-escolar, desde que frequentem uma creche abrangida pelo sistema de cooperação. Também as propinas deverão baixar dos atuais 871 euros, para 697 euros, uma descida 20%.

Fundo de resolução

A maioria dos partidos de oposição defendem que novas injeções de capital no Novo Banco (através do Fundo de Resolução) tenham de ter uma autorização do Parlamento. BE, PCP e PAN querem que essa autorização seja necessária para qualquer valor, já o PSD exige-a só acima dos 850 milhões de euros.

Ainda esta semana, o ministro das Finanças garantiu que o Governo «não está a negociar nenhuma injeção extraordinária» no Novo Banco. No entanto, Mário Centeno afirmou que caso existam operações desse tipo, «terão que vir» a debate na Assembleia da República.

Uma medida aplaudida por Pedro Amorim. «Em primeiro lugar o fundo de resolução não deve ser um mecanismo político. Aqui o que está em causa são as injeções de capital no Novo Banco, resultado de uma má solução encontrada pelo Banco de Portugal e do Governo na altura». Para este ano, o Orçamento prevê que o Novo Banco necessite de uma injeção de 600 milhões de euros.