É por demais conhecido o estado hipocondríaco que caracteriza o actual inquilino de Belém. Enquanto o comum do cidadão entra nas lojas para apreciar as últimas novidades, como livros, revistas, discos, computadores, telefones ou artigos de desporto e de vestuário, entre muitos outros atractivos produtos, Marcelo sente-se feliz percorrendo as farmácias e manuseando os medicamentos nelas expostos, informando-se pormenorizadamente sobre as aquisições mais recentes.
O que para muitos, certamente não para todos, se tratou de uma completa surpresa, foi constatarem que o comportamento disfuncional do presidente, assolado pela fobia a doenças, se consumou no eclipse das funções que os seus pares nele confiaram, remetendo-se para um cobarde exílio confinado ao seu domicílio particular.
Num dos períodos mais críticos da vida em sociedade da actual geração, aquele em quem os portugueses mandataram como o seu mais alto dignitário, por terem considerado ser o melhor preparado para os representar, demitiu-se ostensivamente das suas responsabilidades inerentes ao cargo para o qual se prestou a um juramento, abandonando à sua sorte todos quantos nele acreditaram.
E, mais uma vez, Marcelo cobriu-se de ridículo, porque, logo no dia a seguir à sua voluntária e inexplicável reclusão, não resistiu em reassumir o papel de comentador televisivo, prontificando-se em conversar através de Skype com um jornalista, da mesma forma que o faria se estivesse a falar para o Brasil com uma das netas.
Por muitas desculpas que os zeladores do regime nos procurem impingir para branquear o comportamento cobarde de quem, perante uma crise da dimensão daquela que nos aflige, deveria estar ao leme da condução dos destinos da Nação, nada, mas mesmo nada, justifica este anedótico exílio, porque, verdadeiramente, não se prova que Marcelo tenha estado directamente exposto ao vírus que nos tem atormentado.
E se tivesse estado?
No auge da epidemia da febre amarela que ceifou a vida a milhares de portugueses, entre 1857 e 1858, o Rei D. Pedro V permaneceu sempre no seu posto, visitando e consolando, nos vários hospitais, as vítimas da doença.
Quando confrontado com os perigos eventualmente resultantes da sua atitude, limitou-se a responder: “Se tenho alguma utilidade é junto dos enfermos e dos pobres desprotegidos. Se sirvo para alguma coisa será agora que o poderei mostrar.”
Também D. Pedro V, nessa altura, tal como Marcelo agora, era um Chefe de Estado constitucional a quem, obviamente, não competia governar o País, mas sim transmitir confiança ao povo, garantido, assim, que o pânico não se generalizasse.
Infelizmente, o presidente desta cada vez mais desonrada república provou que não serve para coisa alguma! Afectos, sim, mas somente quando o perigo não espreita!
E desengane-se quem pense que este foi o primeiro sinal de cobardia manifestado pelo agora exilado presidente: para quem gosta de opinar sobre tudo e sobre nada, sendo sempre lesto a mover-se para a frente das câmaras, seria de esperar que igualmente se pronunciasse quando questionado relativamente a temas que afectam, na verdade, a vivência diária dos portugueses.
Mas não, quando dele se exige que dê o corpo ao manifesto, porque foi acreditando nesse pressuposto que o eleitorado que o elegeu nele votou, Marcelo, utilizando reiteradamente a primeira pessoa, esquiva-se, desculpando-se com a frase feita de que não é a altura do presidente da república se pronunciar!
Nunca é, quando teme que a sua sincera opinião poderá custar menos votos aquando da sua recandidatura!
No meio deste descalabro presidencial há algo que me conforta: não contribui para este triste espectáculo, porque sabendo, sem margem para dúvidas, o que dali viria, não lhe confiei o meu voto.
Mas entristece-me o desalento de tantos portugueses de bem, verdadeiros patriotas e empenhados na restauração do orgulho nacional, que se deixaram enganar por Marcelo. Se o arrependimento matasse, a quantidade de gente de valor que já não se encontraria neste mundo!
Este comportamento sinuoso do enclausurado de Cascais faz-me recordar, pela antítese, a coragem de um outro Rei, também em tempos conturbados.
D. Carlos, quando aconselhado pelo seu ajudante de campo a resguardar-se, respondeu-lhe por escrito: “Tu julgas que eu ignoro o perigo em que ando? No estado de excitação em que se acham os ânimos, qualquer dia matam-me à esquina de uma rua. Mas, que queres tu que eu faça? Se me metesse em casa, se não saísse, provocaria um grande descalabro. Seria a bancarrota. E que ideia fariam de mim os estrangeiros, se vissem o rei impedido de sair? Seria o descrédito. Eu, fazendo o que faço, mostro que há sossego no País e que têm respeito pela minha pessoa. Cumpro o meu dever. Os outros que cumpram o seu.”
D. Carlos morreu no cumprimento do seu dever. Marcelo escondeu-se em casa!