Estragadores de conversas

O tipo mais comum de ‘estragador de conversas’ é o ‘centralizador’. Adora ouvir-se e incha de importância…

Há-os de vários tipos, e incomodam até à saturação. Por força das muitas mutações, a espécie ramificou-se em várias estirpes, felizmente mais fáceis de identificar do que o Covid-19.

O tipo mais comum de ‘estragador de conversas’ é, seguramente, o ‘centralizador’. Adora ouvir-se e incha de importância, enquanto toma o tempo de antena dos que estão à sua volta. Se, por acaso, diz alguma coisa com interesse, ninguém consegue distinguir a pérola no meio de tantos berlindes de banalidade.

Logo a seguir, vem o ‘repetidor’, que não sai da mesma espira do vinil. Usa e abusa de ‘pontes’ – «pois, portanto, mesmo assim…» ─ que não o levam à outra margem, antes o trazem de volta ao ponto de partida, para redizer o que já tinha debitado. Lembra os pisadores de uvas nos lagares, que andam quilómetros e não saem do sítio.

Já o ‘divergente’ identifica-se pelo vício de se perder nos atalhos. A contar a ida a uma caçada, dirá mais ou menos assim: «Saímos às cinco da manhã. Ia connosco o Luís, um tipo incrível, que foi estudar para Londres, mas acabou por casar com a filha de um sheik riquíssimo, uma miúda que até servia à mesa, para que ninguém suspeitasse do dinheiro que tinha no banco. Teso, o Luís avançou para o que imaginava ser um casamento de pobres, e acabou num palácio das mil e uma noites…». Depois de tantos desvios, quem se lembrará da caçada?

Espécie particularmente irritante é o ‘ponto’. Poderia pensar-se que é perfeccionista… mas não! É só um chato. Alguém conta uma história: «Encontrámo-nos numa terça-feira…», e o ponto: «Foi na quarta…». «Ele até chegou dez minutos atrasado…», e o ponto: «Foram mais de vinte…». E por aí fora, como se as precisões alterassem a essência do relato.

Uma espécie em ascensão dá pelo nome de ‘toma-autoridade’. Sabe pouco, ou nada, mas adora botar sentença. Certo de que não sabe, inventa. Os crédulos dizem que fantasia, ou efabula, quando o vêem pendurar-se em atestados de veracidade que estariam nas fontes que abusivamente invoca. Fala-se da eutanásia, e o ‘toma-autoridade’ mete a colherada da patetice, que culmina com: «Não sou eu que digo, são os médicos…». Se se trata de um julgamento mediático, despeja: «Foi um juiz que me disse!». Ele não tem opinião, mas faz o favor de usar a luz da autoridade para iluminar as trevas dos desafortunados… que não têm relacionamentos importantes.

A enumeração poderia continuar com o ‘negacionista’, para quem a discordância é sinal de inteligência; o ‘obsessivo’, que se fixa numa pessoa, ou num facto, e massacra os ouvintes com sentenças definitivas; o ‘casmurro’, que chega de trombas, solta uns grunhidos de objeção e sai com as trombas com que entrou; o ‘bichanador’, que segreda para os vizinhos do lado, enquanto derrama olhares conspirativos; ou o ‘Dupont e Dupond’, que acentua a concordância com o inevitável «Eu diria mais…».

A lista é meramente ilustrativa, o cardápio dos estragadores de conversas é vasto. Há quem diga que cada um tem a cruz que merece. E é capaz de ser verdade.