Europa. Entre o pânico do coronavírus, NATO pede investimento militar

Itália ultrapassa número de mortes da China continental. Madrid, com falta de equipamento médico, transforma base militar para o produzir.

O novo coronavírus entrou na Europa em silêncio e munido da arma da invisibilidade, propagando-se durante semanas antes de os alarmes terem começado a soar no continente. Em Itália, a situação pavorosa provocada pela pandemia não parece ter fim e o país já ultrapassou o número de mortes na China continental provocadas pelo vírus. Espanha está próxima da rutura. E com a Europa apavorada, com a ameaça de terramoto económico espoletado pela pandemia e a preparar pacotes de investimento para conter a crise, há quem peça que os investimentos militares se mantenham como previsto.

As autoridades italianas anunciaram 427 novas mortes, cifrando o total em mais de 3400, excedendo as quase 3300 fatalidades no continente chinês – Itália tem uma média de 350 mortos por dia, entre 15 e 18 de março. Já se estão a encontrar algumas razões para o número anormal de vítimas mortais no país: um estudo do sistema nacional de saúde italiano indica que 99% das pessoas que morreram infetadas com o coronavírus no país tinham outros problemas de saúde.

Mas, segundo o Corriere della Sera, que cita dados fornecidos por empresas de telecomunicações, quase metade da população aparenta não respeitar as instruções de confinamento residencial. Ou seja, 40% dos italianos não estão a permanecer em casa.

Os militares italianos destacaram 15 camiões para Bergamo, uma das cidades mais afetadas pela epidemia em Itália, na quarta-feira à noite, para transportar caixões com vítimas para outras províncias. Os serviços funerários em Bergamo estão sobrelotados. “As morgues e as instituições de saúde estão a colapsar”, disse Claudia Scotti, dona de um funerária na cidade, ao Washington Post

Com muitas das fronteiras internas da União Europeia fechadas a sete chaves (umas mais que outras), o tempo de transporte para a entrega de equipamento médico está a demorar mais do que o habitual. “É mais difícil com fronteiras internas para a Itália receber equipamento médico de outros Estados-membros da União Europeia. A disrupção tem que ser evitada para assegurar a distribuição equitativa do equipamento médico para os sítios que mais precisam”, apontou ao South China Morning Post Maria Capobianchi, diretora do laboratório de virologia, no Instituto de Doenças Infecciosas em Roma. E acrescentou que, neste momento, já “não é útil” tentar “neutralizar o surto” erigindo fronteiras.

Espanha aproxima-se do caos, com o número de casos a crescer mais do que em qualquer outro país no mundo. O Ministério da Saúde espanhol anunciou que houve 169 novas mortes, aumentando o número de fatalidades para 767 – e o país ultrapassou as 17 mil infeções. Madrid é a cidade que mais sofre. Na segunda-feira, uma pessoa a cada 16 minutos morreu devido ao coronavírus nos hospitais da capital espanhola. Desprovidos de equipamento médico e de proteção, uma base militar em Madrid foi convertida em instalações de produção de paracetamol e desinfetante para as mãos. 

E porque é que está a faltar equipamento em Espanha? Dois especialistas que participaram no comité de crise e que falaram com o El País em anonimato remeteram para a crise da gripe A em 2009: “Na altura, as autoridades foram acusadas de exagerar e de criarem stock de vacinas que depois não seriam utilizadas”.

É do senso comum saber que quem mais sofre com as crises são os de baixo. Enquanto os cidadãos europeus correm para os supermercados e esvaziam as suas prateleiras, no Reino Unido os bancos alimentares – dependentes de donativos – esforçam-se por manter a atividade para providenciar alimentação a quem mais precisa, mas muitos foram forçados a fechar portas, relata o New York Times.

“É muito assustador, porque toda a gente está caminhar com sacos e carrinhos carregados de comida, enquanto me preocupo se vou ter comida suficiente para dar de comer às crianças”, disse ao mesmo jornal Angie Fowler, mãe de três, que depende da ajuda de um banco alimentar. 

E a abordagem do Governo britânico, que durante muito tempo se absteve de tomar medidas drásticas para combater a propagação do vírus, sofreu uma reviravolta. O Ministério da Defesa anunciou que irá dobrar a unidade de contingência civil das Forças Armadas. Assim que for finalizada, 20 mil tropas vão ser destacadas para auxiliar a resposta à covid-19 – Downing Street negou que ia utilizar essas tropas para impor o confinamento em Londres.

O Governo britânico entregou ainda um projeto de lei na Câmara dos Comuns que dá autonomia ao Executivo para tomar medidas de emergência.

Também França está praticamente parada. Na quinta-feira, morreram mais 372 pessoas, anunciaram as autoridades, e o número de casos confirmados está quase a ultrapassar os 11 mil. Na quarta-feira, o Governo autorizou a implementação do estado de emergência sanitária para acompanhar as medidas de emergência de apoio à economia.

A pandemia irá provocar uma “ paragem poderosa, maciça e brutal da economia” francesa, previu Edouard Philippe, primeiro-ministro francês, esta quinta-feira. Até ao fecho desta edição, o Parlamento debatia o projeto de lei do estado de emergência sanitária.

Já a Alemanha ultrapassou os dez mil casos confirmados e prepara um pacote de 40 mil milhões para atenuar os efeitos da crise, diz o Der Spiegel. Na Holanda, o ministro dos Cuidados de Saúde demitiu-se alegando exaustão, depois de ter desmaiado num debate sobre o coronavírus. 

É neste contexto, com os países europeus em estado de pânico, que o secretário-geral da NATO deu um recado aos seus membros esta quinta-feira. "Quando os aliados da NATO decidiram investir mais em defesa, fizeram-no porque vivemos num mundo mais incerto, mais imprevisível”, disse Jens Stoltenberg. “Isso não mudou. Espero, assim, que os aliados continuem o seu compromisso”, afirmou, referindo-se aos 2% do PIB que os membros acordaram investir nos orçamentos de defesa. Stoltenberg enfatizou ainda a ajuda das Forças Armada de vários países no combate à epidemia.