Governo da Guiné-Bissau acusado de “sacar fundos” portugueses

As doações dos portugueses em dinheiro, para combater a covid-19, são “um desperdício”, declarou um dos dois primeiros-ministros guineenses, que disputam o país.

A população guineense foi informada que está a chegar ao país ajuda humanitária portuguesa, destinada a equipamentos médicos para combater a covid-19. “A recente doação dos portugueses em dinheiro configura um desperdício”, respondeu em comunicado Aristides Gomes, o primeiro-ministro guineense demitido após o golpe de Estado de Umaro Sissoco Embaló, que tomou posse como Presidente apesar de acusações de fraude eleitoral. É que o “governo ilegal”, liderado por Nuno Nabiam e nomeado por Embaló, quer aproveitar-se da pandemia como “oportunidade de sacar fundos, anunciando doações prometidas para alguns países”, acusou em comunicado Aristides Gomes.

Não são incomuns as acusações de corrupção na Guiné-Bissau, onde a instabilidade política é regra. O mais estranho é que o envio de medicamentos doados por Portugal foi comunicado à população guineense através da Comissão de Ministério da Saúde, sem que a data da chegada dos mesmos tivesse sido anunciada. Não é claro qual o organismo responsável: o ministério dos Negócios Estrangeiros português garantiu ao i que não está a enviar qualquer ajuda humanitária para a Guiné-Bissau, e que essa ajuda não foi sequer pedida.

Também a falta de meios alocados pelo Governo guineense, apesar das misteriosas doações internacionais, suscitou críticas do primeiro-ministro derrubado. “Qual o país minimamente sério que acreditaria num Plano de Contingência de 500 milhões de francos CFA [760 mil euros], para uma população superior a 1.800.000, o que perfaz 1 euro por pessoa?”, questionou Aristides Gomes. O Governo nomeado por Embaló conta com os 43 médicos da brigada cubana, mas “é como dar um Ferrari a alguém que não sabe conduzir”, criticou.

“Sem Plano de Contingência, o fundo será aplicado de forma irracional, mesmo que parte do mesmo seja material e equipamentos médicos”, continuou o primeiro-ministro derrubado, acusando o Governo de Nuno Nabiam de não “apresentar nenhum plano escrito, que contenha uma estratégia de mobilização dos esforços nas diferentes etapas de resposta a pandemia”.

Violência excessiva 
A pandemia de covid-19 já infetou mais de 330 mil pessoas em todo o planeta, causando quase 15 mil mortos. Não há ainda nenhum caso registado na Guiné-Bissau, mas as autoridades anunciaram, na semana passada, o encerramento do aeroporto internacional Osvaldo Vieira. Foram fechadas a fronteira com o Senegal em Djegue, São Domingos, bem como a fronteiras com Guiné-Conacri, o outro país vizinho.

“Estas medidas são extremamente radicais, porque o governo não fez nenhuma sensibilização junto da população antes de anunciar estas medidas”, assegurou a jornalista guineense Elida Fernandes dos Santos “É inacreditável que anunciem o isolamento total do país. Em Guiné não produzimos nada, estamos dependentes praticamente dos outros países vizinhos”, notou.

As autoridades também encerraram pontos de aglomeração de pessoas, incluindo todos os estabelecimentos comerciais e locais de venda de carne cozida, salvaguardando locais de venda de carne crua, peixe e produtos de primeira necessidade. “A maioria da população guineense ficou chocada com estas medidas precipitadas”, comentou a jornalista, que acusou as forças de segurança de usar violência para cumprir as ordens, esta quinta-feira. “Atiraram gás lacrimogéneo e foram bastante brutos, deitando os produtos dos comerciantes no chão”, relatou.

“As forças de segurança exageraram nas suas funções”, concordou uma habitante de Bissau, que preferiu manter-se anónima. “O mercado Darling foi o único a estar aberto. Isto após um tumulto enorme nas ruas. Mas acredito que até amanhã vão abrir os mercados, não totalmente, mas os que têm os bens essenciais, como o arroz, leite e pão”.

Entretanto, já foi anunciado um inquérito à violência excessiva por parte das forças de segurança, na noite de quinta-feira. “Pediram desculpas à população e negaram qualquer envolvimento no que ocorreu. Disseram também que o polícia responsável por atirar o gás lacrimogéneo está preso e será levado a justiça, caso o inquérito conclua a sua culpa”, contou a habitante local, que esteve na conferência de imprensa, conduzida por um porta-voz do Governo de Nuno Nabiam.