Banca chamada a salvar economia

Moratória nos créditos das famílias e empresas, lay-off simplificado, reforçado regime de faltas justificadas por assistência à família e linhas de financiamento de três mil milhões são algumas das medidas que foram anunciadas pelo Governo. Ainda à espera está solução para rendas.

Proteger os postos de trabalho e assegurar os rendimentos foram o alvo das principais medidas anunciadas pelo Governo. Mas não chega a todos. Uma das mais esperadas dizia respeito à aplicação da moratória no crédito às empresas e famílias. Isto significa que, até 30 de setembro, tanto particulares como empresas podem adiar os seus pagamentos à banca. A medida tem como objetivo aliviar os encargos com prestações a quem seja afetado pelos efeitos económicos negativos da pandemia da covid-19 e deverá abranger cerca de 20 mil milhões de euros em prestações à banca.

«Foi aprovado um decreto-lei que estabelece medidas excecionais de apoio e proteção de famílias, empresas e demais entidades da economia social, para assegurar o reforço da sua tesouraria e liquidez, atenuando os efeitos da redução da atividade económica», revelou o Conselho de Ministros, acrescentando que tal «prevê a proibição da revogação das linhas de crédito contratadas, a prorrogação ou suspensão dos créditos até fim deste período, de forma a garantir a continuidade do financiamento às famílias e empresas e a prevenir eventuais incumprimentos».

No entanto, para tirar partido desta suspensão é necessário cumprir alguns requisitos. No caso dos particulares, a situação tem de estar regularizada, isto é, não pode haver pagamentos em falta. Já no caso das empresas, também terão de ter regularizadas as suas contribuições para a Segurança Social e com o Fisco.

Esta é a resposta oficial do que já vinha sendo anunciado avulso por várias instituições financeiras. A Caixa Gera de Depósitos foi a primeira a dar o pontapé de saída ao anunciar uma moratória de seis meses para os créditos pessoais, da casa e também nos financiamentos concedidos às empresas, considerando que este era um «momento de exceção» e, como tal, é necessário atuar «no sentido de apoiar as empresas e os particulares a ultrapassarem os fortes constrangimentos de liquidez que a redução da atividade gera».

O exemplo do banco público acabou por ser seguido pelo Santander, BPI, Crédito Agrícola e Bankinter.

 

Rendas menos protegidas

Para quem tem casa arrendada, as soluções são bem diferentes. A ideia do Governo é pôr o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) a conceder empréstimos para pagamento de renda aos arrendatários que tenham «sofrido quebras de rendimentos». Mas como o Governo não pode implementar a medida terá de ir à Assembleia da República para que possa ser debatida.

Ainda assim, fica aquém do que tem vindo a ser defendido pela Associação de Inquilinos de Lisboneses. Em declarações ao i, Romão Lavadinho defendeu que não devem ser os proprietários a pagar a crise. «A nossa proposta é haver uma redução da renda, na proporção do que ficarem sem apoio nestas matérias».

No entanto, esta medida acresce ao que já foi aprovado e diz respeito à suspensão de despejos e do fim dos prazos dos contratos de arrendamento no segmento habitacional.

 

 Lay-off mais curto

A pensar nas empresas, o Executivo aprovou um novo regime de lay-off, vista como «medida excecional e temporária de proteção dos postos de trabalho». E basta uma quebra de atividade de 40% face ao mês anterior para cumprir os requisitos, ou uma quebra equivalente face ao período homólogo. Mas a par da atividade, também podem aceder ao regime as empresas ou estabelecimentos que tiveram de fechar ao abrigo das medidas decretadas com o estado de emergência, as empresas que «experienciem uma paragem total ou parcial da sua atividade que resulte» de problemas com as cadeias de abastecimento globais ou com a suspensão/cancelamento de encomendas.

No entanto, a duração do apoio será mais curta. Ao contrário do que tinha vindo a ser divulgado, em vez de seis meses, o apoio mantém-se em vigor por períodos de um mês renováveis pelos próximos três meses.

Para isso, as empresas não podem cessar contratos de trabalho através de despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho no período em que vigorar o lay-off, nem nos 60 dias seguintes à sua aplicação.

E o que acontece aos trabalhadores com esta situação? Têm direito a receber dois terços do seu salário normal ilíquido, com a garantia de um valor mínimo igual ao do salário mínimo nacional (635 euros) e com um limite máximo correspondente a três salários mínimos (1.905 euros).

Já nas situações de redução do horário, é assegurado o salário, calculado em proporção das horas de trabalho.

Durante a concessão do apoio as empresas ficam isentas da Taxa Social Única (TSU), mas os trabalhadores terão de descontar 11% para a Segurança Social.

 

Faltas justificadas

Outra novidade está relacionada com o alargamento do regime excecional e temporário «de faltas justificadas motivadas por assistência à família». Este reforço é alargado aos pais, ou seja, o trabalhador passa a poder faltar ao trabalho para prestar assistência a um parente idoso que ficou a seu cargo, já que este tipo de apoio já estava previsto para os trabalhadores que tivessem de ficar em casa a cuidar dos filhos com menos de 12 anos.

No entanto, não está previsto o período das férias escolares e, como tal, só irá aplicar-se até 27 de março. Já no caso de crianças que frequentem equipamentos sociais de apoio à primeira infância ou deficiência, o apoio é atribuído até 9 de abril, não podendo haver sobreposição de períodos entre progenitores.

O valor a receber será 66% do salário base (não inclui outras componentes da remuneração), até um limite mínimo de 635 euros e um limite máximo de 1.905 euros, calculado em função do número de dias de falta ao trabalho.

 

Linhas de 3 mil milhões

Também disponível estará uma linha de crédito de três mil milhões de euros, destinada aos setores mais atingidos pelo impacto da covid-19. Na altura em que o Governo anunciou o financiamento referiu que se travada de «medidas excecionais» e que o Executivo encontrava-se «fortemente empenhado em adotar todas as medidas que se mostrem necessárias para combater esta pandemia e para fazer face às suas consequências», revelou o ministro das Finanças. Os empréstimos terão um período de carência de pagamentos até ao final do ano e amortizados em quatro anos.

Mas vamos a números, deste montante, 600 milhões de euros destinam-se à restauração e similares, dos quais 270 milhões de euros são para micro e PME. O turismo e agências de viagens terão 200 milhões de euros, 75 milhões para micro empresas e PME, enquanto os hotéis e empreendimentos turísticos terão 900 milhões de euros, 300 milhões para micro e PME. Já a indústria extrativa, têxtil, vestuário, extrativas e madeira contará com uma linha de 1300 milhões de euros, dos quais 400 milhões para as micro e PME.

Mas nem tudo são facilidades. O financiamento que será disponibilizado pelas várias instituições irão oferecer um spread de 1% a 1,5%, tal como o primeiro-ministro já tinha anunciado. Os bancos poderão cobrar uma comissão de garantia mútua que pode ir até 1%, valores aos quais se acrescem, além disso, 0,5% de comissão pela gestão do dossiê que o banco pode cobrar, o que eleva os encargos para quase 3%.

Uma situação que poderá travar muitos empresários a recorrer a este tipo de financiamento, de acordo com os economistas ouvidos pelo SOL. João Duque tem dúvidas que o tecido empresarial irá  aderir a estas linhas de financiamento. «Não sei se os empresários vão endividar-se para pagar salários». E do lado dos bancos não tem dúvidas: «A banca está a ser empurrada para emprestar o dinheiro com a esperança de que vão recuperar esse valor, sem saberem bem como. Não sei se os bancos estão muito interessados em emprestar dinheiro para um negócio que pode não ser viável. Os bancos não são a Igreja».

Também Filipe Garcia, economista da Informação de Mercados Financeiros (IMF), admite que os bancos correm riscos ao emprestarem dinheiro às empresas. «Ainda não se sabe bem qual vai ser a garantia do Estado, tudo indica que será até 90%, mas há sempre uma percentagem de risco para os bancos», refere ao SOL.

Recorde-se que o líder do Executivo garantiu que entre 80% e 90% do empréstimo poderá beneficiar de garantia de Estado, consoante o montante.

O economista aplaude a ideia do ex-presidente do Banco Central Europeu, que defende que é urgente evitar a perda de empregos e de capacidade produtiva, pelo que os bancos devem emprestar dinheiro às empresas a custo zero com garantias estatais a esses créditos. Num artigo de opinião publicado no Financial Times, Draghi defendeu que é necessário mobilizar todo o sistema financeiro face ao choque económico (mercado de dívida, sistema bancário) causado pela covid-19 e que tem de ser feito urgentemente, sem atrasos burocráticos.

Segundo Draghi, esta pandemia é uma «tragédia humana potencialmente de proporções bíblicas» e se são necessárias as medidas tomadas pelos governos para proteger vidas humanas, essas acarretam elevados custos económicos e uma «profunda recessão é inevitável», pelo que o desafio agora é agir com força e rapidez suficiente para prevenir que a crise se transforme numa prolongada recessão com danos irreversíveis. «É claro que a resposta envolve um aumento significativo da dívida pública», avisou, com os Estados a endividarem-se para absorver as perdas do setor privado.