Senhor primeiro-ministro, não deixe que parem a economia!

O Dr. Costa surpreendeu o país com uma pose de Estado que até aqui não se lhe tinha visto. Será PR quando quiser

As opiniões dividem-se entre os que acham que a prioridade é proteger as pessoas, mesmo parando o país, e os adeptos da continuidade controlada, para que as famílias possam ter pão na mesa. Exagero? Nada! Apenas reservas às pulsões voluntaristas.

Na sua coluna no Expresso, o professor João Duque recuperou a cena do pescador inglês que disse à mulher: «Vou ali a Dunquerque buscar os nossos rapazes». Aquele ‘ir ali a Dunquerque’ era, apenas, o salvamento de 300.000 soldados encurralados pelas tropas alemãs.

Foi esse sentido do dever que não teve o militar da GNR, que tentou impedir um septuagenário de ir ali ao escritório da sua empresa… só para fazer uns telefonemas. Os telefonemas eram para fornecedores, pedindo o adiamento de prazos, para poder pagar salários, e para os trabalhadores, para os convencer a receberem 60% do ordenado, os que têm encargos de família, e 40% aos que não os têm. Dinheiro para os próximos meses? Não haverá! O restaurante está fechado, mas… logo se vê. Para aquele GNR é que não há contemplações: 73 anos é para estar em casa!

O nosso Presidente da República também é homem de cortar a direito. Acordou da sua letargia e teve um rasgo: tudo para casa! Fino como um alho, o Dr. Costa agradeceu a oferta e surpreendeu o país com uma pose de Estado que até aqui não se lhe tinha visto. Será PR quando quiser.

Em irritante clausura, dei por mim a pensar na imensa sorte da minha geração. Os ‘setenta e tais’, que me obrigam agora a ficar em casa, acertaram no mais longo período de paz que o mundo já viveu: uma bênção que manda às malvas os incómodos do confinamento.

Só quem não leu relatos de guerras, não viu filmes, nada sabe sobre tropas em movimento, invasões, estropiados e mortos, pode ignorar o drama que carrega a palavra ‘guerra’. É certo que, há apenas um mês, ninguém imaginaria que chegaríamos a este ponto: país parado, comércio, empresas, escolas e igrejas fechadas… o povo metido em casa. Simplesmente, daí a proclamar o estado de guerra vai um passo que não deve ser dado assim do pé para a mão.

Quando comecei a entender as conversas de adultos, dei-me conta de que tinham três referências: a pneumónica, o ciclone e a guerra, todas elas causadoras de dramas, mortes e destruições em grande escala. Toca-nos, agora, a primeira calamidade do século XXI, uma novidade que se estranha e só pode assustar.

Para todos os efeitos, a pandemia vem cobrar o preço da felicidade acumulada num oásis de paz que se estendeu de 1945 a 2020, com avanços prodigiosos na ciência, na tecnologia, na economia, na cultura e nos ordenamentos políticos.

Os mais velhos têm mais memória e têm razões para saber que a paragem das empresas é destrutiva. Ressuscitar uma empresa… só por milagre, reabrir um restaurante, depois de uma paragem de meses… só se o dono for muito rico. É por isso que os septuagenários teimam em… ir ali ao escritório fazer uns telefonemas. Só para evitar que as empresas morram.