Todos já sentimos falta dos aplausos

Mas adiar significa manter vivos todos aqueles que se viram inibidos de trabalhar por força da proibição. É esta a nossa missão enquanto indústria.

O mundo foi surpreendido pelo impacto da covid-19. Nenhum especialista previu tamanho impacto. Vai ficar na história da Humanidade como a Terceira Guerra Mundial. Só que desta vez não opõe nações, mas sim toda a Humanidade contra um soldado invisível, um vírus. Quase parece uma invasão do outro mundo.

Para a indústria da cultura, que em Portugal foi o primeiro setor a ser fechado, o impacto é avassalador. Mais de 100,000 portugueses trabalham ou dependem desta indústria. Músicos, bailarinos, atores, cantores, autores, técnicos, produtores, promotores, bilheteiros, assistentes de sala, stage hands, riggeres, runners, assistentes de camarins, etc. Profissões de que nem nos lembramos, como afinadores de piano ou assistentes de guarda roupa. As salas de espetáculos privadas, empresas de audiovisuais, de equipamentos, de transportes, hotéis, palcos, segurança, assistência médica, entre outros. Até o rendimento extra para os polícias e bombeiros no serviço gratificado de apoio aos eventos de norte a sul do país, até às ilhas. Tudo sem rendimento de um dia para o outro e sem grande previsão de apoio.

Um setor claramente dividido entre o público e o privado, sendo que este último vive exclusivamente das receitas de bilheteira e/ou patrocínios e, como tal, não é claro que tenha capacidade de garantir salários por muito tempo aos seus trabalhadores. Muitos irão colapsar. Todos os fornecedores de serviços e freelancers não terão qualquer tipo de rendimento, seja do setor público ou do privado.

Estamos a adiar os concertos que estavam agendados para abril e maio, embora o ato de adiar – que é uma boa notícia para o espetador que vai continuar a ter possibilidade de ver o espetáculo que queria ver –, para nós significa ocupar datas em que teríamos outros espetáculos. Ou seja, a rentabilidade de março, abril e maio vai ser negativa. Mas adiar significa manter vivos todos aqueles que se viram inibidos de trabalhar por força da proibição. É esta a nossa missão enquanto indústria.

Países como a Alemanha e a Finlândia já socorreram a indústria cultural com injeção de dinheiro, para garantir a sobrevivência das empresas, trabalhadores e artistas por forma a ter uma indústria viva no primeiro dia em que os respetivos povos precisarem de usufruir da cultura. Em Portugal, o apoio ao setor passa pela facilidade de adiamentos de espetáculos e manutenção de bilheteiras, por possibilidade de implementação de lay-off, financiamento bancário de apoio a tesouraria e diferimento do pagamento a Segurança Social dos 23,75% do empregador e eventualmente, ainda não é claro, do adiamento de entrega do IVA e restantes impostos. Estas medidas estão em linha com os restantes países da Europa.

Mas pouco se sabe ainda do apoio a quem é freelancer ou não tem contrato de trabalho.

Além de eventuais ajudas do Estado central, é imperioso que as autarquias não cancelem os milhares de espetáculos agendados até ao verão, que mantenham os contratos, sempre que possível sinalizem os contratos para dar alguma tesouraria a quem necessita e, mais tarde, reponham os espetáculos – e é isto que os promotores privados, de uma forma genérica, estão a fazer. Não cancelamos espetáculos, apenas os adiamos.

Mas temos que olhar o futuro de frente, ter fé e sonhar que os cientistas desenvolvam urgentemente uma profilaxia ou uma vacina, para que a nossa vida possa voltar ao normal.

Todos já sentimos falta dos aplausos.

Faltam menos de cem dias para o início do NOS Alive e continuamos a trabalhar para que possamos manter o festival nas datas anunciadas.

Temos todos que acatar as instruções das autoridades de saúde e lutar para que tudo corra bem e rapidamente.

The show must go on.

por Álvaro Covões
Diretor-geral da Everything Is New